domingo, 3 de agosto de 2014

Os mais estranhos assassinos

O Homem que Matava suas Vítimas com Comida


É difícil encontra uma história mais estranha, nos anais do crime ou de culinária, que a do assassino francês Père Gourier. A história da cozinha francesa está repleta de estranhos personagens: Luís XIX, o Rei Sol, cujo estômago era três vezes maior do que o de um homem comum; o chef Vatel, que cometeu suicídio quando um banquete que tinha preparado não ficou bom; o gourmand Dessart, cuja barriga era tão grande que um galante adversário num duelo nela desenhou um círculo, prometendo que seria seu único alvo; o anônimo cozinheiro que serviu Miolos de Macaco à la Diplomata a Napoleão III; o chef Jules Maincave, que inventou, entre outras coisas, a manteiga de amendoim e a sopa de mocotó. A lista é interminável, mas nenhum gourmand ou assassino francês foi mais incrível do que Gourier, que assassinava suas vítimas com comida.

Gourier, conhecido pela história apenas como Pai Gourier, realmente assassinava suas vítimas com jantares e almoços. A técnica dele não envolvia nenhum veneno, nada tinha de ilegal. Nada disso, Gourier, um rico latifundiário, ficava rigorosamente dentro dos limites da lei. Todos os anos ele simplesmente escolhia uma vítima e assassinava na mesa de refeições. À vezes, levava um ano inteiro, outras apenas dois meses. Mas Gourier conseguiu liquidar sete a nove homens, antes que seu esquema finalmente fosse denunciado.

O método de Gourier era empanturrar seus convidados com uma comida pesada e bem temperada, não apenas uma vez, mas em todas as refeições, por quantos dias fossem necessários para matá-los. A ganância e gula eram seus cúmplices. Como as refeições eram gratuitas, as vítimas comiam tudo o que podiam. Dinheiro não era problema para Gourier. Os maitres e garçons do Brebant, Véjour, Tortoni´s, Café de Paris e outros elegantes restaurantes parisienses conheciam Gourier muito bem. Os garçons acabaram descobrindo a paixão de Gourier pelo assassinato, mas nada podiam fazer. O gourmand começou a gabar-se de suas façanhas. Aparecia inesperadamente com um novo convidado num restaurante e sempre havia um garçom que imediatamente perguntava sobre o companheiro dele na noite anterior.

- Eu o enterrei esta manhã – respondia Gourier, jovialmente. – Não era grande coisa. Levei menos de dois meses para acabar com ele.

A fanfarronice de Gourier é que o levou à perdição, mas não porque a lei o tivesse apanhado em suas teias.

O fim de Gourier foi nas mãos de um certo Ameline, segundo assistente do carrasco público. Eugene Chavette, filho do famoso restaurateur Vachette, fez um meticuloso levantamento do caso ao final do século XVIII, mas jamais conseguiu determinar o primeiro nome de Ameline nem se foi o sétimo, oitavo ou nono “convidado” de Gourier. Talvez Gourier tenha pensado que era extremamente irônico escolher um carrasco público como sua próxima vítima. Se assim foi, a escolha provou ser mais irônica do que ele jamais poderia imaginar.

Em primeiro lugar, Ameline tinha um apetite ainda maior do que o de Gourier. Os que o observaram comer, juraram depois que ele tinha as pernas ocas, que serviriam como estômago de reserva. Gourier banqueteou-o durante um ano inteiro, sem conseguir qualquer resultado. Seguiu-se outro ano de opíparos banquetes. Ameline parecia mais saudável do que nunca... e ainda não havia engordado um quilo sequer. Gourier passou a alimentá-lo somente com pratos mais pesados, comidas que ele próprio tinha dificuldade em digerir. Mas Ameline continuou a resistir galhardamente, repetindo os pratos três ou quatro vezes.

O assassino jurou que iria matar Ameline, assim como matara todos os outros, nem que isso exigisse toda a sua fortuna. Mas não contava com um segundo fator. Ameline estava a par dos planos de Gourier e tomara a decisão de morder a mão que o alimentava. Christian Guy, em sua História da Cozinha Francesa, sugere que um garçom talvez tenha alertado Ameline. Seja como for, Ameline também fez planos. Periodicamente, desaparecia durante dois a três dias, o tempo necessário para limpar o organismo com óleo de rícino e outros laxativos. As desculpas que apresentava eram sempre plausíveis, e Gourier jamais desconfiou de coisa alguma.

O fim de Père Gourier foi causado pelo assistente do carrasco público, mas não ocorreu na guilhotina. Aconteceu numa noite num dos mais elegantes restaurantes parisienses, o Cadran Bleu. Naquela noite, Ameline desatou a comer um pedaço de lombo depois de outro, sem o menor esforço, enquanto Gourier tentava em vão acompanhá-lo. Mas a voracidade de Ameline era demais até para ele. Subitamente, quando lhe foi servida a 14ª fatia de carne, Gourier ficou vermelho e depois muito pálido. Ameline, mastigando tranquilamente a sua 15ª fatia, soltou uma risada quando Gourier jogou a cabeça para trás, pensando que seu anfitrião estava prestes a espirrar. Um instante depois, Gourier caiu para a frente. Sem conseguir falar, ele tentou erguer-se, mas não pôde. Os olhos e a boca estavam prestes a se fechar para sempre. Um sorriso irônico permanecia em seus lábios quando desabou sobre o prato de comida. O gourmand assassino deve ter pensado que nada mais apropriado que recebesse a sobremesa merecida durante o prato principal de sua última refeição.


Texto de Roberto Hendrickson no livro “Almanaque para todos”,
de Irwing Wallace & David Wallechinsky


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