Lima Barreto*
Lima Barreto por Loredano
Eu também sou candidato a deputado.
Nada mais justo. Primeiro: eu não pretendo fazer coisa alguma pela pátria, pela
família, pela humanidade.
Um deputado que quisesse fazer
qualquer coisa dessas, ver-se-ia bambo, pois teria, certamente, os duzentos e
tantos espíritos dos seus colegas contra ele.
Contra as suas ideias levantar-se-iam
duas centenas de pessoas do mais profundo bom senso.
Assim, para poder fazer alguma coisa
útil, não farei coisa alguma, a não ser receber o subsídio.
Eis aí em que vai consistir o máximo
da minha ação parlamentar, caso o preclaro eleitorado sufrague o meu nome nas
urnas.
Recebendo os três contos mensais,
darei mais conforto à mulher e aos filhos, ficando mais generoso nas facadas
aos amigos.
Desde que minha mulher e os meus
filhos passem melhor de cama, mesa e roupas, a humanidade ganha. Ganha, porque,
sendo eles parcelas da humanidade, a sua situação melhorando, essa melhoria
reflete sobre o todo de que fazem parte.
Concordarão os nossos leitores e
prováveis eleitores, que o meu propósito é lógico e as razões apontadas para
justificar a minha candidatura são bastante ponderosas.
De resto, acresce que nada sei da
história social, política e intelectual do país; que nada sei da sua geografia;
que nada entendo de ciências sociais e próximas, para que o nobre eleitorado
veja bem que vou dar um excelente deputado.
Há ainda um poderoso motivo, que, na
minha consciência, pesa para dar este cansado passo de vir solicitar dos meus
compatriotas atenção para o meu obscuro nome.
Ando mal
vestido e tenho uma grande vocação para elegâncias.
O subsídio, meus senhores, viria
dar-me elementos para realizar essa minha velha aspiração de emparelhar-me com
a deschanelesca elegância do senhor Carlos Peixoto.
Confesso também que, quando passo
pela Rua do Passeio e outras do Catete, alta noite, a minha modesta vagabundagem
é atraída para certas casas cheias de luzes, com carros e automóveis à porta,
janelas com cortinas ricas, de onde jorram gargalhadas femininas, mais ou menos
falsas.
Um tal espetáculo é por demais
tentador, para a minha imaginação; e, eu desejo ser deputado para gozar esse
paraíso de Maomé sem passar pela algidez da sepultura.
Razões tão ponderosas e justas,
creio, até agora, nenhum candidato apresentou, e espero da clarividência dos
homens livres e orientados o sufrágio do meu humilde nome, para ocupar uma
cadeira de deputado, por qualquer Estado, província, ou emirado, porque, nesse
ponto, não faço questão alguma.
Às urnas.
Correio da Noite,
Rio, 16-1-1915
* Afonso Henriques de Lima
Barreto (Rio de Janeiro, 13 de maio de 1881 - Rio de Janeiro, 1º de novembro de
1922), melhor conhecido como Lima Barreto, foi um jornalista e um dos mais
importantes escritores libertários brasileiros.
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