quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A papagaia


Stanislaw Ponte Preta



Era uma vez uma papagaia... ou antes, era uma vez uma senhora que vivia sozinha, era muito católica e não tinha bicho nenhum em casa. Como era uma senhora solteirona, ficava até um pouco puxado para o tarado o fato de não se dedicar a um bicho. É aqui que entra a papagaia.

Um dia a senhora solteirona sem nenhum bicho em casa foi visitar uma família conhecida. Chegou lá, viu uma papagaia num poleiro, cantarolando. “Que bonito papagaio”, ela disse. “Não é papagaio. É papagaia”, disseram para a senhora. E, como tivesse se interessado muito, a família ofereceu a papagaia a ela.

Tá na cara que a senhora solteirona sem nenhum bicho em casa adorou o oferecimento e carregou a papagaia para casa. Mas aí é que foi chato. A papagaia era levadíssima. Mal chegou à sua nova casa, começou a dizer palavrões homéricos, a citar trechos completos da última peça do Nélson Rodrigues, a recitar o diálogo de La dolce vita e a dizer coisas horríveis sobre seus desejos incontidos.

A senhora ficou horrorizada e já ia mandar a papagaia embora quando chegou um vizinho para visitar. Soube do drama e disse: “Não há de ser nada. Eu tenho lá em casa dois papagaios comportadíssimos. Tão comportados que passam o dia rezando. Eu boto a papagaia perto dos dois e pode ser que ela se manque e fique igual a eles”. A senhora agradeceu muito e a papagaia foi.

O vizinho colocou a papagaia num poleiro entre os dois papagaios. Assim que ela se viu na parede, começou a engrossar outra vez. Foi aí que um dos papagaios abriu um olho e ficou observando. Quando ficou convencido de que a papagaia era mesmo da pá virada, cutucou o outro que continuava rezando e disse:

− Pare de rezar, companheiro, que, ou muito me engano, ou as nossas preces acabam de ser atendidas.

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(Stanislaw Ponte Preta era o pseudônimo do cronista Sérgio Porto
nascido em 11 de janeiro de 1923 e morto em 29 de setembro de 1968)


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