domingo, 5 de outubro de 2014

Conto do vigário



Dentre as várias versões sobre a origem da expressão popular “conto do vigário”, destacamos a que se segue, sem, contudo, endossá-la.

Conta-se que, em tempos já idos, um rapaz muito astuto, recém-chegado numa das nossas velhas cidades, procurou algumas pessoas de destaque na sociedade local para indagar da idoneidade moral do vigário da freguesia se podia confiar à sua guarda avultada quantia que trazia consigo, e não havia ali banco nem qualquer outro estabelecimento de confiança onde a depositar. Todos foram unânimes em atestar e até jurar que ao sacerdote se podia confiar ouro em pó. O rapaz, então, sobraçando um pacote, encaminhou-se para a igreja, fazendo-se acompanhar por alguns senhores de elevado conceito na localidade, a fim de testemunharem a entrega do dinheiro.

O vigário que de nada sabia, julgando tratar-se de simples visita, convidou-o a entrar para a sacristia, onde os dois sozinhos palestraram durante alguns minutos, tendo os acompanhantes, por cerimônia, ficado do lado de fora. Ao sair, já sem o pacote, o rapaz disse aos que o seguiram que o padre, muito gentilmente, se prontificara a guardá-lo.

Passado alguns dias, voltou o rapaz à igreja, acompanhado das mesmas pessoas, que desta vez entraram com ele na sacristia, e pediu ao reverendo a restituição do dinheiro que lhe havia dado para guardar. O vigário surpreso retrucou que não recebera dele nenhum dinheiro. Insistiu o rapaz, invocando o testemunho dos que o tinham acompanhado no dia da entrega e eram os mesmos que ali estavam agora, os quais atestaram que o viram entrar com o pacote e sair sem ele.

O padre titubeante, em face de tão inopinado caso, disse que, realmente, havia achado um pacote escondido num canto da sacristia que, por não trazer o mesmo nenhuma indicação do dono, o abrira, encontrando apenas jornais velhos, e que atribuíra ter sido ali esquecido por alguma velha beata maníaca, e por isto o tinha jogado no lixo.

Os circunstantes entreolhavam-se desconfiados, não do rapaz, porém, do vigário, e um deles, homem de posses, amigo do padre e da igreja, para evitar o escândalo que o rapaz já ameaçava fazer, prontificou-se a entrar com o dinheiro que o espertalhão alegou o pacote conter instituindo assim o que se passou a chamar de conto do vigário.

Antenor Nascentes, em A gíria brasileira, pág. 46, afirma que a expressão é de origem espanhola, conhecida sob o nome de cuento del tio.

Sem indicação de autoria. “Conto do vigário”. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1959.


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