sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Curtas de Dalton Trevisan



Que vidinha

Mãe e filha em férias na praia. À sombra de uma árvore, sentadas na grama, duas bolas de sorvete para cada uma.
− Que vidinha mais ou menos a nossa, hein, mãe!

A loira

− Casei com uma sueca. Bem que a minha disse: Moça loira? De olho azul? Não é para você, meu filho. Seis meses fomos felizes. Uma noite chego em casa. E a minha loira: Até ontem, eu te amei. Hoje, não mais. Adeus. Já de malinha no corredor. O que eu podia fazer?
− ...
− Só matar. E foi o que eu fiz.

A outra

A mulher separada:
− Eu fiquei sem nada. E ele, o bandido?
− ...
− Muito feliz com a outra, o fusca e o celular.

Uma cuequinha

A mãe de quatro meninas estende no varal as muitas calcinhas coloridas. Ao lado, a caçula de oito anos:
− Quanta calcinha, né, mãe?
− A culpa é de você.
− De mim?
− Bem eu queria estar aqui pendurando uma cuequinha.

Encontro

− Você não sabe quem eu encontrei. Ele mesmo. O meu ex.
− E daí?
− Ih, ele está horrível. Gordo. Feio. Sem dentes.
− ...
− Eu, ainda bem, na minha calça preta corsário.
− ...
− Toda gostosa. De óculos escuro!

Os noivos

− Foi um triste casamento. Os noivos decerto menores de 18 anos. Pareciam dois meninos perdidos. Dois lindos meninos.
Para surpresa geral, a noiva chega chorando. Entra na igreja chorando. E chora até o fim da cerimônia.
Quando os dois caminham para o altar, à medida que passam, todos entendem o pranto da garota.
Ele tinha raspado a cabeça. E atrás, na sobra da cabeleira, estão recortadas quatro letras: R-O-S-A.
− E daí? O nome da noiva. Um belo gesto de amor.
− Só que o nome da noiva era outro.

A mudinha

Na rua dois senhores pedem uma informação para a mocinha que passa.
Ela se põe a gesticular muito agitada. Emite sons guturais, gemidos, gritinhos.
Os dois agradecem e um para o outro:
− Puxa que mudinha mais tagarela!

(Histórias do livro “Arara Bêbada”, Dalton Trevisan, Editora Record)

Criança

− Tua professora ligou. De castigo, você. Beijando na boca os meninos. Que feio, meu filho. não é assim que se faz.
− ...
− Menino beija menina.
− Você é gozada, cara.
− ...
− Pensa que elas deixam?

ooOoo

Ela sai do banheiro, a toalha na cintura.
− Pai, deixa eu ver o teu rabo.
É a tipinha deslumbrada no baile de debutantes de três anos.
− Rabo, filha? Ah, sei. O bumbum do pai?
− Seu bobo.
− ...
− Esse pendurado aí na frente.

ooOoo

O pai telefona para casa:
− Alô?
− ...
Reconhece o silêncio da tipinha. Você liga? Quem fala é você.
− Alô, fofinha.
Nem um som. Criança não é, para ser chamada fofinha. Cinco anos, já viu.
− Oi, filha. Sabe que eu te amo?
 “Puxa, ela nunca disse que me amava”.
− Também o quê?
− Eu também amo eu.

ooOoo

(Histórias do livreto “Crianças (seleções)”, editada pelo próprio autor.)

(Dalton Trevisan Curitiba - PR - 14.06.1925)


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