quarta-feira, 15 de outubro de 2014

De onde vem o gaúcho?

(Isso dá assunto para umas cem rodas de chimarrão)

Por Eduardo Bueno


Gaúcho e prenda

Todo mundo acha que sabe o que quer dizer “gaúcho” – só que ninguém sabe ao certo. A palavra evoca aventura, ação, nostalgia; recende a sangue, suor e churrasco; ecoa o tropel de cavalos, o brado dos bravos, o retinir dos facões. É épica e grandiloqüente. Mas nos arrasta para um turbilhão de imagens cambiantes e origens incertas.

Onde surgiu o gaúcho? Os historiadores estão atolados no areal das polêmicas insolúveis. O gaúcho é beduíno, árabe ou andaluz? O gaúcho é charrua, araucano ou guaicuru? Impossível saber. O mais provável é que todas essas opções sejam mais ou menos verdadeiras: o gaúcho é um mestiço forjado nas fronteiras do pampa – mescla elementos de várias nações indígenas com a tradição luso-castelhana, repleta de influência moura.

E o que quer dizer “gaúcho”, afinal? Escrita pela primeira vez em 1743, a palavra vem do persa, do árabe, do sânscrito, do quíchua, do araucano ou do guarani? Ninguém sabe ao certo. Certo é que surgiu quase como palavrão. Gaudério, guasca, garrucho, harragano, changador – sinônimos de “gaúcho” – eram sinônimos também de vagabundo, vagamundo ou bagamundo. Ladrões de gado, sem lei nem rei, que moravam dentro de seus ponchos, debaixo de seus chapéus e em cima de seus cavalos.

Entre as ervas daninhas que vingaram nessa selva das palavras, o historiador Aurélio Porto julgou colher uma bela flor em 1946: “gaúcho” viria do guarani guaú, “cantar triste”, com o quíchua che, “gente”; ou seja, “gente que canta triste”. Definição bastante poética – mas errada. A origem mais provável e aceita remete ao araucano huagchu, que virou guacho e significa “órfão”. Seja como for, lá está o gaúcho altivo, só e melancólico. Um homem a cavalo, metido no pala, sorvendo mate, silhuetado contra o fulgor do longo entardecer que se derrama sobre o pampa.

O gaúcho é uma sombra a galope na correnteza de grama da planície sem cercas nem porteiras, com o pé na estrada e no estribo. Ser gaúcho é ser gauche na vida. Ser gaúcho é um estado de espírito. É como disse o grande escritor Jorge Luís Borges: “Ser gaúcho é um destino”.

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