Na literatura árabe clássica, Abu-Nauas
era o poeta do humor, da dissolução e da descrença. Assim mesmo, agradava aos
califas graças às suas réplicas espirituosas. Eis um exemplo famoso:
Zangou-se Harum Ar-Rachid, certo dia,
com ele e deu ordens para que fosse executado. Disse-lhe Abu-Nauas:
- Vossa Majestade quer me matar só por amor ao
sangue?
- Não, respondeu o califa, mas porque desobedeceste à
lei do Islã, que proíbe o vinho, quando disseste: Serve-me vinho e dize-me: é
vinho e não te escondes, mas faze tudo publicamente.
- E Vossa Majestade teve prova de que ele me serviu e
eu bebi?
- Não, mas suspeito que o fizeste.
- E Vossa Majestade me manda matar por uma suspeita,
quando o Alcorão diz: “Muitas vezes a suspeita é um crime?”
Retrucou o califa:
- Mereceste a morte quando disseste: “Ninguém voltou
para nos informar se há inferno ou paraíso.”
Indagou Abu-Nauas:
- Voltou alguém?
- Não.
- E Vossa Majestade me manda matar por ter dito a
verdade?
- Não foste tu que disseste: “Ó Ahmed, com quem
contamos nas calamidades, levanta-te e vamos verificar o que há no Paraíso.”
Respondeu Abu-Nauas:
- E isso foi feito?
- Não sei.
- E Vossa Majestade me manda matar pelo que não sabe?
- Deixa de tudo isso. Reconheces em muitos de teus
poemas tua conduta libertina.
- Antes de Vossa Majestade. Deus descreveu os poetas
quando disse no Seu Livro: “E os poetas só têm os descaminhados por seguidores.
Erram em todos os vales e dizem o que não fazem.”
Disse o califa:
- Soltem-no, antes que acabe com a nossa paciência.
“Multiplica teus pecados ao máximo,
pois o senhor que te julgará é clemente. Quando compareceres perante ele,
morderás os dedos de arrependimento por todos os prazeres que terás deixado de
aproveitar por medo do inferno.”
(Abu-Nauas)
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