quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Os homens falam à amada



Millôr Fernandes

Num dia, para lá dos tempos e para cá das eras,
encontraram-se todos os que eram apaixonados por aquela mesma mulher.

Disse o Escritor: Eu te descreverei o mundo de mil formas diferentes.

Disse o Cozinheiro: Quando ela se cansar de teu palavreado vazio, eu a alimentarei com meus acepipes.

Disse o Farmacêutico: Quando ela adoecer de teus alimentos, eu lhe prepararei uma poção.

Disse o Médico: Quando ela enfermar de teus remédios, eu a curarei com minha Ciência.

Disse a Maquiador: Quando ela sair de tuas mãos, pálida e abatida, eu a embelezarei com meus cosméticos.

Disse o Pintor: Quando ela sair bela de teu salão, eu a fixarei em minha tela.

Disse o Jornalista: Eu reproduzirei tua tela cem mil vezes, na capa da minha revista.

Disse o Cineasta: Eu darei movimento a essa arte parada, colocando-a num filme.

Disse o Gravador: Eu juntarei à tua cópia muda o som de sua voz, que é tudo.

Disse o Milionário: Eu comprarei todas as cópias para que só eu possa vê-la e ouvi-la.

Disse o Ladrão: Roubarei teu dinheiro para oferecer a ela.

Disse o Policial: Eu te prenderei para que ela me queira.

Disse o Advogado: Inventarei o crime e a violência para que ela me admire.

Disse o Historiador: Registrarei na história, o crime e o castigo, e lhe explicarei a ela, a sós, o sentido da vida.

Disse o Caixeiro-Viajante: Que lhe importa a história, se eu lhe ofereço o mundo?

Disse o Astrônomo: Em matéria de mundo, eu lhe ofereço todos.

Disse o Assassino: Não posso contra todos, mas a matarei, se não for minha.

Disse o Agente Funerário: Eu lhe farei, então, a mais bela campa.

Disse o Poeta: Ela não morrerá: viverá para sempre nos meus versos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário