domingo, 26 de outubro de 2014

Quem espera

          

Somos efêmeros como essas flores de primavera que vicejam no campo. Ventos de novembro que ficam três dias tapeando nossos chapéus e depois cessam. Existem coisas que vêm e voltam, outras que aparecem ou ocorrem só uma vez. Quem pode saber assim no preciso, na exatidão correta do fato, se isso ou aquilo vai voltar ou não? Os sentimentos, que nos movem e fazem girar o mundo, também são mais ou menos assim, vêm, chegam sem pedir licença, se adonam do coração da gente e depois, sem mais nem menos, vão embora. São os desvãos do mundo. Fazem parte daquela parte que ninguém conhece. Povoam o lado escuro da Lua. A terceira margem do rio. Habitam o inexplicável. Entram em cena como atores mascarados e fazem da nossa alma um palco para seu misterioso teatro do absurdo.

Um dia, lá na Vila Rica, Aurora, uma morena com cara de cunhatã guarani, que morava com seus pais e dois irmãos numa olaria do Rincão do Matadouro, se encantou com as milongas e chamamés de um moço chamado Toninho Zorzal, pois cantava mesmo como um sabiá de timbre lindo e triste. Isso cortou o coração romântico daquela flor mimosa de aguapé. O guitarreiro também gostou dela, casaram-se e foram morar numa casinha caiada, com flores no oitão, cheiros de alecrim na cozinha. Aurora se esmerava nos cuidados do rancho, pois sonhava em criar ali os filhos, muitos filhos. Porém, numa véspera de Natal, Zorzal encilhou o baio e disse que ia visitar a mãe. Nunca voltou. A prenda esperou dias e noites, negou-se a voltar para a casa dos pais e envelheceu acompanhada apenas por uma meia dúzia de gatos e um cusco. Todos os dias, ao cair do sol, vestia a saia, calçava as alpargatas e, de pé, fazia estranhas promessas no terreiro.

Nico Juarez também nasceu para esperar. Foi o último gêmeo a deixar o ventre de Casuarina Setecruzes, a Gaga, uma parteira conhecida lá pros lados de Três Mártires. Quando Nico, já homem feito, se apaixonou pela cigana Esmerada de los Santos, em frente à igrejnha de São João do Barro Preto, ela já tinha vivido com cinco homens. O romance foi uma labareda de angico, mas numa manhã de setembro, Nico teve que principiar o mate. Depois fez o café, o almoço e a janta. Foi a rotina pelo resto dos seus anos, pois Esmeralda sumiu no mundo. Deixou apenas dentro dos peçuelos de couro um baralho espanhol, um leque correntino e um pañuelo com cheiro de Cashmere Bouquet.

Meus amigos, em ambos os casos, Toninho Zorzal e Esmeralda de los Santos, simplesmente deixaram de amar. Somos efêmeros. No fim de um poema, Jorge Luis Borges afirma que no coração do homem estão todos os dias, a memória e a eternidade. Para uns, o eterno dura alguns dias, meses, talvez anos. Para outros, é para todo o sempre...

Paulo Mendes in “Camperada”


Nenhum comentário:

Postar um comentário