A um amigo
Pedes-me a conta do que eu tenho
gasto
hoje que um mês que estou casado
faz.
Ei-la, aqui vai, ó solteirão
sagaz,
– pobre casar-se sempre foi
nesfasto.
Devo primeiro a Salvador Manoel,
dono da casa em que resido
agora,
pequena casa sita à rua Aurora,
o quanto dela pago de aluguel.
Devo também na venda ao Braz
Garcez,
rico vendeiro que me traz em
vista,
esta parcela que vou pôr na
lista,
rancho, alimento que comprei há
um mês.
Ao alfaiate meu, José Pascal,
que uma sortida loja tem bem
rica,
devo a continha que lançada
fica,
fazenda para o meu pobre
enxoval.
De compras que na mesma loja eu
fiz,
rendas, cadarços, fitas, devo
ainda
mais um vestido de anos à
Benvinda,
nota na pedra, pois, escreve a
giz.
Eu devo a Pedro Pinto Badajoz,
famoso boticário, uma avis-rara,
uns bicos que ele ali me
debitara,
em remédio, pomadas e alguns
pós.
Devo, outrossim, e ponho aqui de
lado
esta importância que em seguida
vês
de dez visitas que lá em casa
fez
doutor Quaresma, o médico
afamado.
Ao expedito Juca, meu copeiro,
à Rita cozinheira e à preta
Agar,
roupa lavada, idem para engomar,
inda a pagar eu tenho isto em
dinheiro.
De carne, frutos, ovos, leite,
pão,
e outras viandas de menor valia,
eis o bolo mais grosso, eis a
quantia
que hoje à mulher eu fiz entrega
em mão.
Falta uma verba ainda e a verba
é esta
e que é para meu ver o
principal;
vou dar-lhe o lugar de honra no
final:
– É o quanto em cobre no meu
bolso resta.
Dessas nove importâncias que aí
tens,
depois de feita soma e tudo
pago,
vê bem com que fiquei, amigo
Lago,
Dela abater só pude os dois
vinténs.
“Quem fama não quer ter de
caloteiro
e quer gozar de crédito na praça
precisa ter no bolso muita massa
que o vulgo diz chamar-se o vil
dinheiro.”
Juca Trovisqueira
(Do Almanaque do
Correio do Povo de 1919)
Nenhum comentário:
Postar um comentário