quinta-feira, 30 de julho de 2015

Logogrifo

A um amigo


Pedes-me a conta do que eu tenho gasto
hoje que um mês que estou casado faz.
Ei-la, aqui vai, ó solteirão sagaz,
– pobre casar-se sempre foi nesfasto.

Devo primeiro a Salvador Manoel,
dono da casa em que resido agora,
pequena casa sita à rua Aurora,
o quanto dela pago de aluguel.

Devo também na venda ao Braz Garcez,
rico vendeiro que me traz em vista,
esta parcela que vou pôr na lista,
rancho, alimento que comprei há um mês.

Ao alfaiate meu, José Pascal,
que uma sortida loja tem bem rica,
devo a continha que lançada fica,
fazenda para o meu pobre enxoval.

De compras que na mesma loja eu fiz,
rendas, cadarços, fitas, devo ainda
mais um vestido de anos à Benvinda,
nota na pedra, pois, escreve a giz.

Eu devo a Pedro Pinto Badajoz,
famoso boticário, uma avis-rara,
uns bicos que ele ali me debitara,
em remédio, pomadas e alguns pós.

Devo, outrossim, e ponho aqui de lado
esta importância que em seguida vês
de dez visitas que lá em casa fez
doutor Quaresma, o médico afamado.

Ao expedito Juca, meu copeiro,
à Rita cozinheira e à preta Agar,
roupa lavada, idem para engomar,
inda a pagar eu tenho isto em dinheiro.

De carne, frutos, ovos, leite, pão,
e outras viandas de menor valia,
eis o bolo mais grosso, eis a quantia
que hoje à mulher eu fiz entrega em mão.

Falta uma verba ainda e a verba é esta
e que é para meu ver o principal;
vou dar-lhe o lugar de honra no final:
– É o quanto em cobre no meu bolso resta.

Dessas nove importâncias que aí tens,
depois de feita soma e tudo pago,
vê bem com que fiquei, amigo Lago,
Dela abater só pude os dois vinténs.

“Quem fama não quer ter de caloteiro
e quer gozar de crédito na praça
precisa ter no bolso muita massa
que o vulgo diz chamar-se o vil dinheiro.”

Juca Trovisqueira

(Do Almanaque do Correio do Povo de 1919)


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