segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Carreiras de cancha reta



Nos pagos era só de que se falava. Nas estâncias, nos galpões, nos ranchos e bolichos o assunto era o mesmo.

Comentava-se: viriam parelheiros de capa e biqueira de outras zonas, muitos gaúchos forasteiros, e até do povo, iria vir um mundaréu de gente. Como de fato aconteceu, já nas vésperas das carreiras via-se grande movimento de gente a pé e a cavalo.

Fazendeiros que traziam seus parelheiros acampavam distante da cancha, onde havia assado e reunião dos amigos e parceiros. Ouviam-se trovas e toques de cordeona até alta madrugada. De todos os lados chegavam carroças com quitandas. Um caminhão, com caixas de bebidas e gelo, armava suas tendas e carpas onde se fariam jogatinas e vendas de bebidas. Em carroças, já desprendidas dos animais, com toldos improvisados, vendiam-se carne de gado, linguiças e leitão assado. Fritavam rosquinhas e sonhos. Também havia talhadas de melancia e arroz doce. Guris, com balaios, ofereciam pastéis e doces de leite e de queijo, cobertos com pano tão alvo e engomado que atestavam o asseio e esmero empregado no preparo de tais gulodices.

Gaúchos, montados em lindos cavalos, bem encilhados, ostentavam suas vestes típicas: chapéu de abas largas com barbicho trançado, pala à meia espalda, lenço atado nas pontas, faziam tinir as rosetas de suas chilenas de comprido papagaio, escaramuçando seus pingos de cola atada e laço a bate cola.

O policiamento era feito por um subdelegado civil e vários soldados. Estes eram um misto de gaúcho e milico. Usavam chapéus de abas largas e bombachas, porém vestiam túnica e talabarte onde se viam penduradas as armas; um revólver e uma enorme espada metida em uma larga bainha de metal branco, que arrastava ao solo quando desmontados.

Não dava peleia. O povo se respeitava; salvo algum borracho que aparecia e era logo retirado do público.

Estas reuniões de carreiras, jogatinas e cancha de osso duravam até 3 dias.

Corria-se carreira todas as tardes, começavam a uma hora e prolongavam-se conforme o entusiasmo e parelheiro que houvesse para correr. À noite, resumia-se em jogos de azar, organizados em tabuleiros coloridos com números pintados, baralhos e dados, em mesas e bancos compridos cobertos por toldos feitos de lona, encerados, como diziam os gaúchos, e à luz de lampiões. Pelas manhãs havia um pouco de silêncio, pois os que passavam a noite em claro dormiam estirados pelos matos em camas feitas com arreios. Ali permaneciam até os raios do sol os obrigarem a procurar refúgio à sombra.

Finda a reunião, começavam os cochichos das comadres que, em surdina, divulgavam de rancho em rancho o que haviam ouvido na intimidade. Casos como o de um gaúcho afamiliado, que vendeu todo o milho ainda na lavoura antes da colheita para conseguir dinheiro para o jogo.

De outro, que empenhava a única junta de bois lavradores. Alguns venderam reses do gado manso, tudo sem o consentimento ou conhecimento da patroa. Até revólver e laço haviam sido empenhados ao bolicheiro. Mas apesar destes fatos causarem descontentamento e privações a certos ranchos, os gaúchos guardavam inolvidável lembrança e entusiasmo por aquelas alegres e festivas carreiras. Bons tempos eram aqueles!

(Do livro “Mala de Garupa – Costumes Campeiros”,
de Raul Annes Gonçalves)


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