Edson Ubaldo*
Tempos brabos aqueles, de
preconceito, intolerância e hipocrisia. De um lado, os coronéis devassos
impondo condutas puritanas a seus dependentes, como forma de dominação. De
outro lado, os frades italianos e alemães, que a cada seis meses apareciam para
dizer missa, batizar e ameaçar com o fogo do inferno os camponeses crédulos e
analfabetos. Nenhum deslize era perdoado no âmbito daquela rígida moral. Mulher
adúltera o marido obrigava-se a matar. Filha solteira deflorada tinha de
suicidar-se ou ir para a zona de meretrício, caso o cúmplice não reparasse o
mal pelo casamento. Dorinha optou por esta última alternativa. Pegou carona num
caminhão de serraria e desembarcou na entrada sul de Lages, com sua trouxinha de
poucos teres.
Do Cemitério Cruz das Almas até a
Curva da Morte, quase todas as casas eram bordéis. Havia para todos os gostos e
orçamentos. Do mais humilde peão ao mais abastado fazendeiro, todos saíam bem
servidos e faceiros. Nos salões mais finos e nos desvãos das chinas mais
bonitas, muitos pinhais, fazendas e tropas de boi foram enterrados.
Insegura,
aflita, morta de medo, Dorinha iniciou sua caminhada para o desconhecido.
Com seus cento e trinta quilos
refestelados sobre uma cadeira de balanço, Nega Tonha tomava mate com suas
“meninas” no varandão. Ao ver aquela caboclinha agarrada à trouxa, com olhar de
ovelhinha medrosa, o olho clínico da veneranda cabaretière não se enganou.
— Vem cá,
minha filha, conte pra nós o que te aconteceu.
Dorinha hesitou diante das
desconhecidas, mas Nega Tonha, com sorriso maternal e contagiante simpatia,
infundiu-lhe confiança. Entrou, tomou chimarrão, ganhou café com bolo frito e
contou seu drama aos prantos. O filho do fazendeiro para o qual seu pai
trabalhava tinha-lhe arrebentado as tramelas algumas semanas antes. Ela não
queria dar, mas ele era bonito e prometeu-lhe casamento.
Fiada na promessa do moço, contou o
sucedido à mãe, que contou ao pai, que foi falar com o patrão. Este mandou o
filho pra cidade e passou uma descompostura no agregado. Que cuidasse melhor de
suas filhas, ou será que achava pouco aquela galinhazinha sem-vergonha haver
seduzido o piá? Ponha-se no seu lugar, homem!
Morto de vergonha, o pobre agregado
voltou para casa e aos gritos de “cadela”, “puta rampeira”, “vagabunda”, baixou
a soiteira nas costas morenas de Dorinha, até fazer sangue. Por isso ela
fugira, e ali estava necessitada de socorro e proteção. Nega Tonha já ouvira
essa história dezenas de vezes ao longo de sua bem sucedida carreira. Sabia
como lidar com essas situações. Primeiro fez a menina acalmar-se e tomar
confiança. Depois lhe explicou as vantagens e inconveniências da profissão.
Apesar de seus dezessete anos e dos poucos meses de escola, que mal lhe
permitiam assinar o nome, Dorinha mostrava interesse e capacidade de absorver
as lições. Humilhada pela violenta surra, não pretendia voltar para casa.
Estava decidida a ser puta, e das boas. Um dia ainda haveria de vingar-se
daquele safado que a enganara de maneira tão miserável. Nega Tonha mandou
recado para seus fregueses mais importantes, como sempre fazia quando chegava
mercadoria nova. Estabeleceu a ordem das visitas segundo a posição econômica,
política e social da clientela. O preço seria alto, pois a menina ainda nem
tinha cicatrizado as sobras dos tampos. Para Dorinha, detalhou que ela
precisava de roupas boas, sapatos de salto, maquiagem, trens de cama e outros
apetrechos próprios do ofício. Mas isso custava dinheiro e tinha de ser
adquirido aos poucos, com o produto do trabalho.
Uma semana depois, Nega Tonha marcou
a “inauguração” de Dorinha, a ser procedida por um velho e generoso freguês.
Duas cubas-libres, algumas apalpações e foram para o quarto. Muito acanhada e
inexperiente, mas decidida a vencer na profissão, Dorinha fez seu primeiro
michê. O velhote não incomodou muito, pois tinha ejaculação precoce. Logo caiu
para o lado e perguntou:
— Minha
filha, você tem aí um faxineiro pra enxugar as partes?
Ao que
Dorinha respondeu:
— O senhor me desculpe, mas faz pouco
tempo qu’eu emputeci e ainda não tenho todo o enxoval de metelança.
* Desembargador aposentado, cadeira n 12 da Academia
Catarinense de Letras
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