quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Olhemos os olhos das crianças



Olhemos os olhos das crianças, que eles
Encerram mistérios;
Dentro de suas pupilas moram selvagens bons,
Pairam neles as lendas das terras desconhecidas.

Olhemos os olhos das crianças;
Quando com eles cruzamos os nossos olhos,
Há reconhecimentos súbitos
E reminiscências que revivem.

Que ausência de ouro e prata existe neles!
Que verdes potros relincham em suas colinas!
Que indiferença pelas arcas ricas!
Como se parecem com os olhos dos poetas!

Olhemos os olhos das crianças,
Desprevenidas de crimes e borrascas,
Inconscientes entre o Bem e o Mal,
Sempre transparentes como a água e o mel.

Olhemos os olhos das crianças,
Com seus horizontes claros, claros,
Capazes de deixar transparecer
O avô curvado e trêmulo,
O pai de sobrecasaca e a menina mãe.

Fitemos os olhos das crianças,
Como quem fita um écran
E vê desenrolar-se lá dentro
Uma história familiar.

Olhemos os olhos das crianças
Para repousar nestes céus sem pensamento
A angústia de procurar pátrias distantes
E as constelações que já morreram.

Jorge de Lima,


Jorge Mateus de Lima (União dos Palmares, 23 de abril de 1893 – Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1953) foi um político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor brasileiro. Inicialmente autor de versos alexandrinos, posteriormente transformou-se em um modernista.



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