segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Romance forense

Por Ronaldo Sindermann, advogado (OAB-RS nº 62.408)


A penhora do touro

Um oficial de justiça vai a uma fazenda lá pelas bandas de Uruguaiana, e diz ao velho fazendeiro:

- Preciso examinar sua propriedade para fazer a penhora de algumas cabeças de gado, pois o senhor é réu de uma ação de execução do Banco do Brasil.

O fazendeiro escuta, conforma-se, mas alerta:

- Sim senhor, mas não vá naquela invernada.

O oficial de justiça, contagiado por juizite, diz:

- O senhor sabe que tenho o poder da justiça comigo?

E tira do bolso um crachá, que mostra ao fazendeiro.

- Este crachá me dá autorização a ir onde eu quero e entrar em qualquer propriedade. Não preciso pedir licença, nem responder a nenhuma pergunta, está claro?

O fazendeiro assustado pede desculpas e continua sorvendo o seu chimarrão.

Poucos minutos depois, o fazendeiro ouve gritos e vê o oficial de justiça correndo para salvar sua própria vida, perseguido por um zebu guzerá de 1.400 quilos, o maior touro da fazenda.

A cada passo o animal vai chegando mais perto do oficial de justiça, que já sem forças corre desesperado.

O fazendeiro larga a cuia, corre para a cerca e grita com todas as forças:

- O cracháááááá, mostra o crachá para o touro!...


O devedor que viaja além do arco-íris

Na cidade de Catanduva (SP), o gerente bancário - depois de um dia de azáfama - chega a casa para onde recém se mudara e recebe da empregada doméstica um recado incomodativo.

- ´Teve´ aqui um oficial, deixou estes papéis e fez eu assinar uma tal de contrafé...

Era uma citação em executivo fiscal. Preocupado, o bancário procura um advogado que o tranquiliza e promete liquidar a preocupação com uma só petição.

Vai então ao teclado e digita:

“O réu no processo em epígrafe, mudou-se dessa casa há alguns anos. Também, não pode apresentar os embargos à execução, porque, segundo consta, estaria morto e soterrado sob a frialdade inorgânica da terra, em algum cemitério da taciturna São Paulo, alhures.

O executado era um homem idoso e enfermiço. Se fosse vivo, não poderia pagar esse débito. Hoje, sua alma viaja além do arco-íris, essa fantástica fantasia de cores primárias que se aperfeiçoam à luz de um sol nascente e novo, ou sob a vermelhidão da tarde, depois da sazão das chuvas.

Robustecida alma que ora se regala e se banha na estanhada lisura das águas tépidas do luzente lago, onde o cisne do espírito se nutre.

O executado passou. Por essa razão, devolvemos, em anexo, a citação que recebemos em nossa residência, isto como demonstrativo da atenção que devemos ao nobre Poder Judiciário”.

O juiz recebeu o petitório, achou criativo o conteúdo da peça e despachou de forma econômica:

Diga a exequente”.

Alguns dias depois, o Município peticionou para que “o feito seja arquivado, sem baixa, para diligências a fim de tentar localizar o espólio”.

E assim se encontra até hoje.


Papel para gente importante

A então secretária Lúcia Mendes, da 4ª Câmara Cível do (extinto) Tribunal de Alçada do RS, estava assoberbada, num começo de tarde, nos momentos que precediam o início da sessão de julgamentos.

Um dos juízes chega atarantado em direção à mesa da servidora, pedindo:

- Papel, papel, por favor, urgente!

Lúcia então abre uma das gavetas e dela tira um rolo de papel higiênico com florzinhas, logo passado às mãos do magistrado, aparentemente aflito.

O juiz, então, pondera:

- Não é esse! É papel para eu anotar um telefone...

A secretária corrige:

- Desculpe-me, doutor, o senhor chegou tão desesperado, que eu pensei que fosse esse...

As gargalhadas dos colegas soam pela sala e pelos corredores.

O rolo de papel higiênico volta à gaveta. E o constrangido magistrado sai, rumo à sala de sessões, levando uma folha de papel A-4 em branco, onde rabisca o número telefônico que não queria esquecer.


“Fodere putas” (ou “plantar batatas”)

Tal frase latina foi empregada no corpo de uma petição inicial, na comarca de Soledade (RS). Na ação ordinária se discutia a indenização pela destruição de uma plantação de batatas, invadida pelo rebanho de gado da propriedade vizinha.

Talvez sem se aperceber da expressão, o magistrado logo determinou a citação. O advogado do réu, em preliminar na contestação, lembrou que “é defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las”. (CPC, art. 15)

Na época, o colunista pediu ao advogado Milton Carlos Löff (*) que foi professor de Direito Romano na UFRGS, que traduzisse a frase. Löff mandou suas conclusões, ao Espaço Vital, por escrito:

Ao direcionar o processo para a réplica, o juiz determinou que o advogado do autor explicasse e traduzisse o suposto ditado latino. O profissional da Advocacia desconversou: “Vossa Excelência e as partes não precisam se preocupar, porque essa frase não tem linguajar incompatível com o vocabulário forense, pois significa vamos à montanha plantar batatas com as nossas enxadas”.

Mas não era bem assim. O texto tinha algumas invenções. A tradução - viu-se - tratou de escapar pela tangente do conveniente.

O juiz e o defensor da parte ré se deram por satisfeitos com a explicação do advogado e entenderam, na audiência, que não haveria necessidade de a expressão ser riscada. As partes também fizeram acordo na mesma solenidade.

Em Soledade, até hoje, a ação ficou conhecida como “o processo das putas”. Ou “das batatas”.


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