Segunda-feira
Carlos Carvalho
De
manhã cedo a mãe vai chamá-lo. Resmunga. De cuecas, arrasta os chinelos pela
casa, lava o rosto na água fria, demora-se no banheiro.
Enquanto
a mãe prega o botão na camisa, alisa o cabelo empastado de brilhantina. Olha o
relógio: sete e cinco. Tem ainda quarenta e cinco minutos. Boceja.
Em
criança, queria ser dentista. Com a morte súbita do pai, precisou trabalhar e
não sobrou tempo para o estudo. Recém-saído do serviço militar empregou-se como
vendedor numa firma de peças de automóveis. Aos trinta e cinco anos, ainda lá
continua, à espera de uma promoção. Como o ordenado é pequeno e ganha
gratificações pelas vendas, trabalha da manhã à noite. Foi, inclusive, citado
pelo Diretor na festa do fim de ano e recebeu um diploma de Honra ao Mérito,
que a mãe emoldurou e colocou na parede.
Nos
sábados, à noite, vai ao cinema. Na volta, não se demora na rua, pois a mãe
sofre do coração e não pode ficar só. Nos domingos, acorda ao meio-dia, toma
uma cerveja no almoço e passa a tarde lendo revistas em quadrinhos, o cinzeiro
enchendo de pontas de cigarro.
–
Você precisa casar, meu filho.
–
Tem tempo, mãe.
Coleciona
fotografias de mulheres nuas, que esconde no armário, embaixo das roupas. Na
rua caminha com passos lentos e pesados. A mãe diz que se parece com o pai.
Sorri sem abrir muito a boca, para esconder a falha do dente.
Ultimamente
tem sentido uma dorzinha enjoada na boca do estômago. Não conta à mãe, para não
assustá-la. Temendo que seja úlcera, bebe um copo de leite em cada bar que
entra.
Antes
de sair, lava a louça do café, que a velha não pode fazer esforço.
–
Depressa, meu filho, você vai se atrasar.
Pede
dinheiro à mãe, que guarda o seu ordenado, e veste a camisa, enquanto ela
recomenda:
–
Cuidado no atravessar a rua.
Alisa
ainda uma vez o cabelo, beija a mãe e sai. Da porta, ela abana, orgulhosa do
filho. E os passos dele, iniciando a semana, parecem os de um bicho se
arrastando penosamente.
*****
Carlos Carvalho (Carlos José Gomes de Carvalho)
nasceu em Porto Alegre ,
RS, no ano de 1939, onde faleceu, no ano de 1985, aos 46 anos. Nas décadas de
1970 e 1980 destacou-se na dramaturgia. Versátil, não se limitou a escrever
para o teatro, também foi poeta e contista. Ao Teatro deu sua contribuição não
apenas com suas peças, mas também como ator e diretor.
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