(Outra versão)
Nas guerras, nem sempre as amas
convencionais foram as mais decisivas. A calúnia, a intriga e a difamação
produziram, muitas vezes, efeitos mais danosos do que o fuzil, a espada e a
lança.
A Revolução Farroupilha, pela sua
duração e através dos “Bentos Manoeis Ribeiros”, fornecia aos imperialistas um
cadastro moral das principais lideranças republicanas. O conhecimento dos
interesses, das fraquezas, dos melindres e das mágoas dessas personalidades
farrapas constituía precioso acervo para o Governo de São Cristóvão.
O Coronel Onofre Pires, homem de
estatura gigantesca, conhecido por sua valentia, orgulhoso, de restritas luzes,
poderia constituir o elemento ideal para atingir Bento Gonçalves. Embora
primos, já se haviam desentendido quando foram presos no Combate da Ilha de
Fanfa. Bento Gonçalves, homem de estatura mediana, mas singular manejador de
armas, não era menos valente e destemido do que aquele coronel.
Um ano antes da pacificação, em
Alegrete, então capital farroupilha, os instigadores de Onofre levaram a
extremos suas diatribes. Constituíam a oposição na Assembleia Constituinte que
deveria dar os rumos institucionais da República.
Na época, Antônio Paulino da Fontoura,
vice-presidente e oposicionista de Bento Gonçalves, vítima de crime passional,
foi assassinado.
Como a urdidura dos homens se serve,
por vezes, despudoradamente, até de desígnios transcendentais, Bento Gonçalves
passou a ser citado, por seus adversários, como mentor do assassinato. Onofre
tornou-se o principal porta-voz e testa-de-ferro dos detratores, acusando o
General de assassino e ladrão.
Bento Gonçalves, que se mantinha até
então em posição altiva e discreta diante das aleivosias, entendeu que não mais
era recomendável continuar em magnânima transigência. Escreveu a Onofre,
iniciando assim: “Havendo chegado a meu
conhecimento, em princípios do corrente mês, que, em presença de vários
indivíduos do exército, quando vinha em marcha, V.S.ª avançara posições ofensivas a minha honra, ...”
Mais adiante, Bento Gonçalves pedia
que Onofre confirmasse, por escrito, as acusações que fizera.
Onofre respondeu a carta, com redação
que, segundo historiadores, não é de sua autoria. Nela se pode ler: “Ladrão da fortuna, ladrão da vida, ladrão da
honra e ladrão da liberdade, é o brado
ingente que contra vós levanta a nação rio-grandense...”. Seguiu, nessa
linha, concluindo: “Fica assim contestada
vossa carta de ontem.”
Ao receber a carta, Bento Gonçalves não
conseguiu esconder sua estupefação. Guardou-a no bolso e montou a cavalo, tendo
antes proibido seu filho e outros presentes que o seguissem.
Dirigiu-se à barraca de Onofre, onde
também estavam estabelecidos Lucas de Oliveira e Vicente da Fontoura. Perguntou
por Onofre, que logo apareceu.
– Já sabeis para que lhe procuro, disse
Bento Gonçalves.
– Sim, senhor. Há muito esperava por isso,
retrucou Onofre.
Silenciosos,
dirigiram-se à orla de um mato na margem do Sarandi.
Nesse mato, outros testemunhavam o
acontecimento, o que é contestado por alguns historiadores.
Ao apear-se, Bento Gonçalves, com
calculada altivez, dirigiu-se a Onofre: “Coronel,
pelo fato de havê-lo desafiado, Vosmecê
deve hoje se convencer de que o mesmo teria feito com Paulinho da Fontoura se
me tivesse ofendido. Mas nunca o teria assassinado como Vosmecê e outros
espalharam, afirmando ter eu mandado matá-lo”.
Onofre
replicou: “Nunca lhe fiz tal injustiça”.
Iniciaram o
confronto, mantendo-se Onofre em defensiva.
Bento Gonçalves, experimentado
dominador de situações, sabedor de que a palavra aliada à espada era mais
poderosa que somente esta, não descuidava: “Sois
um covarde, coronel! Somente foges!”
Onofre, estrategicamente provocado,
conduzido à impetuosidade que empana a eficiência, como uma fera incontrolável,
contra-atacou e foi ferido.
Bento
Gonçalves, ao vê-lo sangrar, deu-se por satisfeito.
Onofre, enraivecido, contrapôs que
dali só um sairia vivo e, novamente, atacou com afoiteza.
Foi ferido no antebraço. Caiu-lhe a
espada, de forma a não mais conseguir empunhá-la, vitimado por forte
hemorragia.
Bento Gonçalves, pondo-se a cavalo,
voltou à barraca de Onofre, onde a angústia e a aflição ansiavam por desfecho
diferente. Sofrenou e disse para os companheiros de Onofre: “Eis o que os senhores queriam. Mas para os
senhores não usarei a espada, usarei este rebenque se tiverem a audácia de insultar-me”.
Três dias depois, morria Onofre em
sua barraca, envergonhado e desgostoso por ainda ter sobrevivido.
Morrera um
bravo, uma legenda farrapa, vítima da ardilosa insídia adversária.
O verdadeiro
alvo era Bento Gonçalves, mas este era maior do que a insídia.
História e
Curiosidades – César Pires Machado
Bento Gonçalves
Notas:
O duelo à espada foi realizado em 27
de fevereiro de 1844, atingido no braço, Onofre morre dias depois, 3 de março
de 1844, de infecção, aos 43 anos de idade.
Guerreiro durante a maior parte de
sua vida, Bento Gonçalves da Silva morreu na cama. Maçom e defensor de ideias
liberais, pelas quais lutou durante os quase dez anos da Revolução Farroupilha,
viu, ao final de seu esforço, a vitória do poder central. Presidente da uma
república, viveu a maior parte de sua vida em um Império.
Embora tenha iniciado as negociações
de paz com Caxias, em agosto de 1844, Bento não iria concluí-las. O clima de
divisão entre os farrapos continuava, e ele foi afastado das negociações pelo
grupo que se lhe opunha. Desligou-se, então, definitivamente da vida pública.
Passou os dois anos seguintes em sua estância, no Cristal e, já doente, foi em
1847 para a casa de José Gomes de Vasconcelos Jardim, onde morreu, de pleurisia,
em julho daquele ano, aos 55 anos de idade.
Bela história de guerreiros de verdade!!
ResponderExcluirÉpoca em q se morria por esses ferimentos.. interessante a história.. a vaidade, a injúria, os insultos valiam a vida, tudo no limite da honra.. e por bem pouco tempo depois disso a "paz" naquele tempo e espaço foi gerada
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