sábado, 28 de novembro de 2015

O valor de um “muito obrigado”



“Ficamos-lhe obrigadas por tanta gentileza! Assinado: Clube das Viúvas”.

Esses foram os dizeres do cartão recebido por um amigo, em agradecimento ao ramalhete que enviou ao Clube das Viúvas de sua cidade. “Obrigadas?”, questionou ele. Sim, por que não? Se estivesse escrito “agradecidas”, ele não se espantaria.

Elas também poderiam ter dito: “Muito obrigadas pelas flores!”.

O adjetivo “obrigado” flexionado em feminino plural feriu seus ouvidos. O que nos fere os ouvidos não é apenas o que está errado, mas também aquilo que não estamos acostumados a ouvir. A expressão de cortesia “obrigado” varia conforme o sexo do sujeito da oração, pois é um adjetivo. Concorda com a(s) pessoa(s) que agradece(m). Um homem diz “muito obrigado”; a mulher, “muito obrigada”. O agradecimento no plural é usado de forma muito rara, mas é correto responder à pergunta “Como vão seus familiares?” com “Vamos bem, obrigados!”. Assim também foi correta a manifestação de agradecimento das mulheres com um “muito obrigadas!”.

Vamos avançar um pouco além, ou seja, aprofundar na etimologia e no sentido filosófico da expressão “obrigado”. Há quem pergunte “por que obrigado?, tenho obrigação de quê?”. Pegando uma carona no texto de Luiz Jean Lauand, professor da USP, para a revista Língua Portuguesa da editora Segmento, encontramos uma explicação de São Tomás de Aquino, em sua obra Suma Teológica. Tomás ensina, em seu Tratado da Gratidão, que a gratidão se compõe em diversos graus. O primeiro consiste em reconhecer o benefício recebido, obter uma graça, aceitar um favor. O segundo consiste em louvar e em dar graças àquele que nos deu algo gratuito, em troca de nada. O terceiro grau é a retribuição, de acordo com suas possibilidades, segundo as circunstâncias mais oportunas de tempo e lugar.

É assim que cada língua expressa a gratidão em diferentes graus. O inglês “to thank” e o alemão “zu danken” tomam a gratidão com frieza, na primeira dimensão, ou seja, apenas o reconhecimento da graça. Já a forma latina “graças” presente no italiano e no espanhol vai mais além, pode ser considerada uma segunda dimensão, o nível de louvar e dar graças.

Especial é mesmo a formulação portuguesa, tão encantadora e singular, pois é a única a situar-se, claramente, no terceiro grau, o nível mais profundo da gratidão: “o do vínculo (ob-ligatus), o do dever de retribuir”, afirma Lauand.

Concluímos, portanto, que o agradecimento está, intimamente, ligado a quem pensa, pondera, reconhece o benfeitor. E, ao aceitar uma dívida impagável, o homem agradecido sente-se embaraçado, porque sabe que, por mais que faça, tudo será insuficiente. Assim, é preciso humildade para aceitar um favor imerecido, pois fica o dever de retribuir, acompanhado à consciência de que será impossível cumprir totalmente. Porém, quem não quiser se comprometer com a retribuição, que use os inócuos “Valeu!”, “Falou!”, “Beleza!”.

Miguel Dias Filho - Professor



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