“Ficamos-lhe obrigadas por tanta gentileza! Assinado: Clube das Viúvas”.
Esses foram os dizeres do cartão
recebido por um amigo, em agradecimento ao ramalhete que enviou ao Clube das
Viúvas de sua cidade. “Obrigadas?”, questionou ele. Sim, por que não? Se
estivesse escrito “agradecidas”, ele não se espantaria.
Elas também
poderiam ter dito: “Muito obrigadas pelas flores!”.
O adjetivo “obrigado” flexionado em
feminino plural feriu seus ouvidos. O que nos fere os ouvidos não é apenas o
que está errado, mas também aquilo que não estamos acostumados a ouvir. A
expressão de cortesia “obrigado” varia conforme o sexo do sujeito da oração,
pois é um adjetivo. Concorda com a(s) pessoa(s) que agradece(m). Um homem diz
“muito obrigado”; a mulher, “muito obrigada”. O agradecimento no plural é usado
de forma muito rara, mas é correto responder à pergunta “Como vão seus
familiares?” com “Vamos bem, obrigados!”. Assim também foi correta a
manifestação de agradecimento das mulheres com um “muito obrigadas!”.
Vamos avançar um pouco além, ou
seja, aprofundar na etimologia e no sentido filosófico da expressão “obrigado”.
Há quem pergunte “por que obrigado?, tenho obrigação de quê?”. Pegando uma carona
no texto de Luiz Jean Lauand, professor da USP, para a revista Língua
Portuguesa da editora Segmento, encontramos uma explicação de São Tomás de
Aquino, em sua obra Suma Teológica. Tomás ensina, em seu Tratado da
Gratidão, que a gratidão se compõe em diversos graus. O primeiro consiste em
reconhecer o benefício recebido, obter uma graça, aceitar um favor. O segundo consiste
em louvar e em dar graças àquele que nos deu algo gratuito, em troca de nada.
O terceiro grau é a retribuição, de acordo com suas possibilidades,
segundo as circunstâncias mais oportunas de tempo e lugar.
É assim que cada língua expressa a
gratidão em diferentes graus. O inglês “to thank” e o alemão “zu danken” tomam
a gratidão com frieza, na primeira dimensão, ou seja, apenas o reconhecimento
da graça. Já a forma latina “graças” presente no italiano e no espanhol vai
mais além, pode ser considerada uma segunda dimensão, o nível de louvar e dar
graças.
Especial é mesmo a formulação
portuguesa, tão encantadora e singular, pois é a única a situar-se, claramente,
no terceiro grau, o nível mais profundo da gratidão: “o do vínculo (ob-ligatus),
o do dever de retribuir”, afirma Lauand.
Concluímos, portanto, que o
agradecimento está, intimamente, ligado a quem pensa, pondera, reconhece o
benfeitor. E, ao aceitar uma dívida impagável, o homem agradecido sente-se
embaraçado, porque sabe que, por mais que faça, tudo será insuficiente. Assim,
é preciso humildade para aceitar um favor imerecido, pois fica o dever de
retribuir, acompanhado à consciência de que será impossível cumprir totalmente.
Porém, quem não quiser se comprometer com a retribuição, que use os inócuos
“Valeu!”, “Falou!”, “Beleza!”.
Miguel Dias
Filho - Professor
Jóia!!!!
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