quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Poemas e trovas de Belmiro Braga



Semana Amorosa

                                    Viu-a domingo. Segunda,
narrou-lhe em cheirosa carta
a sua paixão profunda.
Na terça, esperou; na quarta
recebeu este postal:
– Vem à quinta! e o moço, besta,
toma quinta por quintal,
e vai à quinta na sexta...
E no sábado essa funda
paixonite estava extinta,
e, triste, chorava a tunda
que apanhou sexta na quinta!

A mulher

Ela, dos 15 aos 20, nos enleia,
dos 20 aos 25, nos encanta,
dos 25 aos 30, não há feia
e, dos 30 aos 40, não há santa.

Dos 40 aos 50, ainda é sereia,
dos 50 aos 60, desencanta:
– Se for solteira – o próprio céu odeia,
se casada – de nada mais se espanta.

Dos 60 aos 70, não descrevo;
embora guarde n´alma um doce enlevo,
traz nos olhos da mágoa o espesso véu...

Seja avó, seja tia ou seja sogra,
toda velhinha meus carinhos logra
por lembrar minha Mãe que está no céu...

(Belmiro Braga)

Num momento de decepção ocasionada por algum amigo Belmiro dirigiu-se ao seu cão Terra·Nova Príncipe estas duas famosas quadras:*

Pela estrada da vida subi morros,
desci ladeiras e, afinal, te digo:
se entre os amigos encontrei cachorros,
entre os cachorros encontrei-te, amigo!

Para insultar alguém, hoje recorro
a novos nomes feios, porque vi
que elogio a quem chamo de cachorro,
depois que este cachorro conheci.

(Belmiro Braga)

*A primeira quadra ao Príncipe está inscrita sob o busto de Belmiro Braga instalado no Parque Halfeld, em Juiz de Fora, como homenagem à verve do poeta, justa síntese do modo como ele via o seu próprio trabalho poético, e do modo como a gente do povo o leu e guardou na memória. Não por acaso, são estes os versos que vêm à memória de Pedro Nava. Eles se inscrevem nas lembranças do menino de Juiz de Fora, como se inscreveram na memória popular. Cabe lembrar que o poema possui uma quadra complementar, que assim desdobra o raciocínio da primeira:

E uma de suas inúmeras trovas:

Mui decentes eu não acho
teus vestidos, minha prima:
são altos demais em baixo,
são baixos demais em cima!

Resposta à notícia de um contrato de casamento:

À notícia bato palmas
E mando um conselho aos dois:
Primeiro casem as almas
E os corpos casem depois,
Que eu tenho os olhos cansados
De ver (uma mil talvez)
Dentro de corpos casados
Almas em plena viuvez.

(De Rosas.3ª. ed. 1917.)

Vindo ao Rio, publicou numa revista esta...

Contrariedade

– A um certo cinema fui
e me assentei junto ao Rui.*

E a sua cabeça – um mundo
de tanto saber profundo –
não me deixou ver o rosto
do meu amor... Que desgosto!

Amo ao grande Rui com ânsia,
mas naquela circunstância...
Que nunca tal me aconteça!
Porque a verdade é verdade:
Eu cheguei a ter vontade
de ver o Rui...sem cabeça...

*Esses versos são uma referência à cabeça de Rui Barbosa, que o impediu de ver uma moça, sentada à sua frente, num cinematógrafo no centro do Rio de Janeiro.

Indo, em vilegiatura, a uma das cidades das margens do Paraibuna, Belmiro viu-se constantemente assediado por um literatelho com fumaças de orador.

De regresso, fotografou-o:

Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna,
ao falar, de instante a instante,
vai esmurrando a tribuna,
E quem o conhece, sente,

por mais ingênuo e simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório.

Vindas de Juiz de Fora, onde viveu e morreu Belmiro, as suas trovas chegavam ao Rio e logo se espalhavam Brasil a fora.

Eis algumas:

“Vi teus braços”, que ventura!
teu colo... as pernas... que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.

Noite de núpcias, O Gama
encontra a esposa envolvida
num lindo roupão e exclama:
– Posso, enfim, ver-te vestida!

– Mui decentes eu não acho
teus vestidos, minha prima:
são altos demais em baixo,
são baixos demais em cima!

– A beleza não te atrai?
Só te casas por dinheiro?
Tu pensas como teu pai,
que morreu velho e... solteiro.

Quando a mulher quer

Quando a mulher quer, eu acho
Que nem Deus a desanima...
É água de morro abaixo,
É fogo de morro acima.

A Bunda

Quando ela passa todo mundo espia,
Não para a cara, que não é formosa,
Mas para a bunda, que é maravilhosa.
Em bunda, nunca vi tanta magia.

Requebra, sobe, treme e rodopia
Dentro de uma expressão maravilhosa.
Deve ser uma bunda cor-de-rosa,
Da cor do céu quando desponta o dia.

E ela sabe que sua bunda é boa.
Vai pela rua rebolando à toa,
Deixando a multidão maravilhada.

Eu a contemplo, num silêncio mudo.
Embora a cara não valesse nada,
Só aquela bunda me valia tudo.

(Belmiro Braga)


Belmiro Ferreira Braga (Belmiro Braga, então Vargem Grande, 7 de janeiro de 1872 – 31 de março de 1937) foi um poeta brasileiro. Em sua homenagem, seu local de nascimento recebeu seu nome após ser elevado à categoria de município, passando a ser chamado Belmiro Braga.


Esta casa, à esquerda, era a residência do poeta Belmiro Braga. Existe um prédio, hoje, em seu lugar. A foto é de meados dos anos 60 e seria do saudoso Jorge Couri. Ela ficava na esquina da atual Rua Mister Moore com Avenida Rio Branco.

(Do Blog Juiz de Fora da Depressão)

5 comentários:

  1. Maravilha poder saber mais sobre Belmiro Braga, Grande Poeta!

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  2. Penso que esta também é do poeta de Juiz de Fora:
    Até nas flores se nota
    A diferença de sorte
    Umas efeitam a vida
    Outras efeitam a morte.

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    1. “Até nas flores se encontra
      a diferença da sorte,
      umas enfeitam a vida,
      outras enfeitam a morte”.

      Os versos são do trovador cigano brasileiro Jerônimo Guimarães

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  3. Apesar de não poder afirmar com certeza absoluta, o estilo deste poema parece-me o dele (peoma Semana Amorosa). Será um poema dedicado ao ciclista português José Bento Pessoa (1874-1954) seu contemporâneo:

    Nas horas

    «Ás duas põe um pé sobre um pedal
    No Terreiro do Paço e passo bem!
    Chega às duas e um quarto a Santarém
    Ás duas e trinta e nove ao Tramagal!

    Ás quatro entra do norte no Ginjal,
    Dá um pulo d’ahi para Belem,
    E às quatro e vinte e nove elle ahi vem
    Já de regresso ao ponto inicial!

    Para a gente julgar da rapidez
    Com que elle n’este mundo sempre andou,
    Basta saber-se que nasceu às dez,

    Que às dez e trinta e cinco se casou,
    Às onze era papá, e às onze e três
    Andára tão depressa que era avô!»

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