No livro “Por que escrevo?”, organizado
por José Domingos de Brito como parte da série “Mistérios da Criação
Literária”, a pergunta parece ser feita a todos os mais variados cânones da
literatura, da poesia, e do jornalismo – pessoas que, enfim, constroem e
desconstroem com palavras. De A a Z, as respostas vão sendo traçadas uma a uma,
em um espírito íntimo em meio ao qual o leitor tem, certas vezes, a impressão
de ouvir da boca de seu grande ídolo as razões que o levaram a tal árdua
profissão. Enquanto Allen Ginsberg diz que escreve porque gosta de cantar
quando está só, Gabo diz que escreve para que seus amigos o amem mais. E assim
o livro nos mostra, em uma coletânea despretensiosa e sem ornamentos - e
com uma rica bibliografia sobre o ofício da escrita -, das respostas mais
simples e definitivas às mais reflexivas, abrangentes e complexas possíveis.
Aqui vão
algumas delas*:
01. Allen Ginsberg:
“(…) Eu escrevo poesia porque
gosto de cantar quando estou só (…) Eu escrevo poesia porque minha cabeça
contém uma multidão de pensamentos, 10 mil para ser preciso (…) Eu escrevo
poesia porque não há razão, não há por quê. Eu escrevo poesia porque é a melhor
forma de dizer tudo que me vem à cabeça no intervalo de um quarto de hora ou de
toda uma vida.”
02. Augusto dos Anjos:
“A princípio escrevia simplesmente
Para entreter o espírito… Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
Do que por uma propulsão consciente.
Para entreter o espírito… Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
Do que por uma propulsão consciente.
Entendi, depois disso, que devia,
Como Vulcano, sobre a forja ardente
Da ilha de Lemnos, trabalhar contente,
Durante as 24 horas do dia!
Como Vulcano, sobre a forja ardente
Da ilha de Lemnos, trabalhar contente,
Durante as 24 horas do dia!
Riam de mim, os monstros zombeteiros.
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma só que me idolatre…
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma só que me idolatre…
Tenha a sorte de Cícero proscrito
Ou morra embora, trágico e maldito,
Como Camões morrendo sobre um catre!”
Ou morra embora, trágico e maldito,
Como Camões morrendo sobre um catre!”
03. Carlos Drummond
de Andrade:
“Posso dizer sem exagero, sem
fazer fita, que não sou propriamente um escritor. Sou uma pessoa que gosta de
escrever, que conseguiu talvez exprimir algumas de suas inquietações, seus
problemas íntimos, que os projetou no papel, fazendo uma espécie de psicanálise
dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque não havia analista no meu tempo,
em Minas.”
04. Clarice Lispector:
“Eu tive desde a infância várias
vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei
por que foi essa que segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria
de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria
vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para
escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de
idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez
que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia
penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é
o que eu chamo de viver e escrever.”
05. Fernando Pessoa:
“Eu escrevo para salvar a alma.”
06. Fernando Sabino:
“Tenho a impressão de que se eu
soubesse responder a essa pergunta deixaria de ser escritor. Não haveria
condição. Não saberia dizer, não. Está além da minha compreensão. Esta pergunta
é tão grave como se perguntassem: ‘Por que vive? Por que ama? Por que morre?’.
Talvez eu escreva para atender a essas três presenças que são as únicas que
existem na vida de um homem. No verso de Eliot: ‘Birth, copulation and death’;
eu diria ‘nascimento, amor e morte’. Não sei por que escrevo. Eu nasci, virei
homem e vou morrer.”
07. Gabriel García
Márquez:
“Para que meus amigos me amem mais.”
08. George Orwell:
“Meu ponto de partida é sempre um
sentimento de proselitismo, uma sensação de injustiça. Quando sento para
escrever um livro, não digo a mim mesmo: ‘Vou produzir uma obra de arte’.
Escrevo porque existe uma mentira que pretendo expor, um fato para o qual
pretendo chamar a atenção, e minha preocupação inicial é atingir um público.
Mas não conseguiria escrever um livro, nem um longo artigo para uma revista, se
não fosse também uma experiência estética. Quem se dispuser a examinar meu
trabalho perceberá que, mesmo quando é uma clara propaganda, contém muito do
que um político de tempo integral consideraria irrelevante. Não sou capaz de
abandonar por completo a visão de mundo que adquiri na infância, nem quero.
Enquanto viver e estiver com saúde, continuarei a ter um forte apego ao estilo
da prosa, a amar a superfície da Terra, a sentir prazer com objetos sólidos e
fragmentos de informações inúteis. De nada adianta tentar reprimir esse meu
lado. O trabalho é conciliar os gostos e os desgostos arraigados com as
atividades essencialmente públicas, não individuais, que esta época impõe a
todos nós.”
09. Jean-Paul Sartre:
“Porque a criação só pode
encontrar seu acabamento na leitura; porque o artista deve confiar a outro a tarefa
de concluir o que ele começou; porque somente através da consciência é que ele
pode se ter como essencial a sua obra e toda obra literária é um apelo.
Escrever é apelar ao leitor para que ele faça passar à existência objetiva o
descobrimento que empreendi por meio da linguagem.”
10. João Cabral de
Melo Neto:
“Por que escrevo é um negócio
complicado… Eu tenho a impressão de que a gente escreve por dois motivos. Ou
por excesso de ser -
é o tipo do escritor transbordante, como a maioria dos escritores brasileiros;
é uma atitude completamente romântica - ou por falta de ser. Eu
sinto que me falta alguma coisa. Então, escrever é uma maneira que eu tenho de
me completar. Sou como aquele sujeito que não tem perna e usa uma perna de pau,
uma muleta. A poesia preenche um vazio existencial. Às vezes, eu escrevo porque
quero dizer determinada coisa que eu acho que não foi dita; às vezes, porque me
interessa que conheçam meu ponto de vista. Às vezes, escrevo também por
prazer.”
11. José Saramago:
“Antes eu dizia: ‘Escrevo porque
não quero morrer. ’ Mas agora eu mudei. Escrevo para compreender. O que é um
ser humano?”
12. Julio Cortázar:
“(…) O fascínio que uma palavra
produzia em mim. Eu
gostava de algumas palavras, não gostava de outras, algumas tinham certo
desenho, uma certa cor. Uma de minhas lembranças de quando estava doente (fui
um menino muito doente, passava longas temporadas de cama com asma e pleurisia,
coisas desse tipo) é a de me ver escrevendo palavras com o dedo, contra uma
parede. Eu esticava o dedo e escrevia palavras, e via as palavras se formando
no ar. Palavras que eram, muitas vezes, fetiches, palavras mágicas. Isso é algo
que depois me perseguiu ao longo da vida. Havia certos nomes próprios -e sei
lá por quê -
que para mim tinham uma carga mágica. Naquela época havia uma atriz espanhola
que se chamava Lola Membrives, muito famosa na Argentina. Bom, eu me vejo
doente -
aos sete anos provavelmente - escrevendo com o dedo no ar Lo-la-Mem-bri-ves,
Lo-la-Mem-bri-ves. A palavra ficava desenhada no ar e eu me sentia
profundamente identificado com ela. De Lola Membrives, a pessoa, eu não sabia
muita coisa, nunca a tinha visto e nunca a vi. Na realidade, eram meus pais que
iam ver as peças onde ela trabalhava. E foi nesse mesmo momento que comecei a brincar
com as palavras, a desvinculá-las cada vez mais de sua utilidade pragmática e
comecei a descobrir os palíndromos, que depois apareceram nos meus livros…
Desde muito pequeno, minha relação com as palavras, com a escrita, não se
diferencia da minha relação com o mundo em geral. Eu não acho que nasci para aceitar as
coisas tal como estão, tal como me são oferecidas.”
13. Manuel Bandeira:
“Na verdade, faço versos porque
não sei fazer música… Jamais senti que meu destino fosse a Poesia, sobretudo
assim com esse P maiúsculo que pressinto na sua garganta. Creio que se fui
poeta em alguns momentos, só o fui por incidente patológico ou passional.”
14. Moacyr Scliar:
“Quando criança, eu era adicto à
literatura, não podia ficar sem ler. A minha conexão com a vida acontecia via
literatura. Eu lia para aprender a viver, para saber o que fazer. É claro que
isso provoca muitas desilusões, muitos choques, porque a vida não é a
literatura. Assim, quando comecei a escrever, foi porque lia. Outra razão é que
meus pais foram grandes contadores de história. Numa noite quente como essa, as
pessoas do meu bairro se reuniam para contar histórias, o que, desde muito cedo
se incorporou em mim, passou a ser uma coisa que eu também queria fazer, só que
à minha maneira, escrevendo.”
15. Paulo Francis:
“Escrevo romances para me
perpetuar, para ter fama, glória, dinheiro, amor, essas coisas comezinhas da
vida.”
16. Rachel de Queiroz:
“Acho que para cada escritor há
uma razão diferente. No meu caso, num certo sentido, é o desejo interior de dar
um testemunho do meu tempo, da minha gente e principalmente de mim mesma: eu
existi, eu sou, eu pensei, eu senti, e eu queria que você soubesse. No fundo, é
esse o grito do escritor, de todo artista. Creio que o impulso de todo artista é
esse. É se fazer ver. Eu existo, olha pra mim, escuta o que eu quero dizer:
tenho uma coisa pra te contar. Creio que é por isso que a gente escreve.”
17. Sérgio Milliet:
“Quer saber de uma coisa? Não
acredito na predestinação literária. São circunstâncias acidentais que fazem o
escritor e é o acaso de um primeiro êxito que o leva a perseverar. Um homem de
inteligência média faz qualquer coisa; basta que a vida o exija. Qualquer
camarada de algumas letras escreveu versos na mocidade; se não continuou, foi
porque outra coisa lhe interessou.”
18. Truman Capote:
“Sou um escritor essencialmente
horizontal. Não posso pensar mais do que quando estou encostado, com um cigarro
nos lábios e uma xícara de café ao alcance da mão. A xícara de café pode ser
trocada por um copo de vodka, não há por que ser maníaco. Não uso máquina de
escrever, redijo à mão, com lápis. Trabalho quatro horas por dia durante quatro
meses por ano. Sou um estilista: me preocupa mais onde colocar uma vírgula que
ganhar o prêmio Nobel.”
19. William Faulkner:
“Para ganhar a vida.”
E você, por
que escreve?
*Todos os depoimentos a seguir
transcritos pertencem à coletânea “Por que escrevo?”, organizada por José
Domingos de Brito (editora Novera), com suas respectivas fontes individuais.
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