quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A frase que virou poema

          

Uma tarde, em 1947, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e João Etienne Filho, jornalistas e escritores mineiros desembarcados no Rio, tomavam seu chope pobre no Vermelhinho, em frente à ABI, e ruminavam as esperanças nacionais.

Chega Otto Lara Resende, também mineiro, jornalista e escritor, que fazia a cobertura do Senado ali ao lado, no Palácio Monroe, na Cinelândia, derrubado pela irresponsabilidade ditatorial do general Ernesto Geisel:

– Esse José Américo é um gênio. Na tribuna, vira gigante. Ninguém o vence. Hoje um senador o interpelou sobre um acontecimento qualquer, ele bateu a mão fechada na tribuna e gritou seco:

– “Isto é meu e morrerá comigo!”

O Senado ficou longamente em silêncio.

João Etienne escreveu a frase no cartão do chope e guardou. Trinta anos depois, sempre jornalista, professor de teatro, poeta consagrado, Etienne fez o poema. Chama-se “Isto é Meu”:


José Américo

(1887-1980)

Isto é meu

O ideal de beleza que eu persigo
Isto é meu e morrerá comigo.
O que houve, o que há e o que haverá
De mim para contigo
Isto é meu e morrerá comigo.

O remorso de ser joio entre o trigo
Isto é meu e morrerá comigo.
A mágoa que não conto ao mais direto amigo
Isto é meu e morrerá comigo.

O que me dilacera e finjo que não ligo
Isto é meu e morrerá comigo.
O que hei de levar ao derradeiro abrigo
Isto é meu e morrerá comigo.
E o que eu quero que se escreva em meu jazigo
Isto é meu e viverá comigo.

Do poeta João Etienne Filho (1918- 1997)


João Etienne Filho nasceu em Caratinga, em 1918 e faleceu em Belo Horizonte em 1997. Em 1967, já publicara dois livros de poesia, Dia e noite (1947), As desesperanças (1957); o ensaio sobre Euclides da Cunha (textos escolhidos), nº 54 da coleção Nossos Clássicos, da Agir; mais tarde, em 1971, publicaria o volume sobre João Alphonsus, nº 102 da mesma coleção e um admirável livro de contos, Os tristes (Belo Horizonte: Imprensa Oficial).

P.S. O político gaúcho João Neves da Fontoura declamou esse poema, quando quiseram se meter em sua vida particular. Ele viveu plenamente a Era Vargas...

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