quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A sentença e a lápide de Chico Sombração



I. Francisco Franco de Souza, que residia em Pirassununga, onde veio a falecer em 9.11.68, sendo enterrado no cemitério local, era, indubitavelmente, “estranha personalidade, ironista e boêmio e com muitas singularidades”, tanto assim que redigiu o próprio epitáfio, que seus filhos fizeram inserir numa lápide e colocaram em seu túmulo

“Bípede, meu irmão: Eis o fim prosaico de um espermatozóide que, há mais de 80 anos, penetrou num óvulo, iniciou seu ciclo evolutivo e acabou virando carniça. Estou enterrado aqui. Sou o Chico Sombração. Xingai por mim.”

Francisco Franco de Souza.

II. O Prefeito Municipal determinou a retirada dessa placa, com este despacho: “Lápide é a laje que cobre o jazigo com inscrição funerária de saudade. Não resta dúvida, a filosofia da vida de cada um deve ser respeitada, uma vez que não fira os princípios gerais e éticos.”

III. Inconformado, Ernani Franco de Souza, filho do de cujus, intentou ação para compelir a Municipalidade a recolocar a placa e saiu vitorioso em primeira instância.

Entretanto, a egrégia Sexta Câmara Civil, à unanimidade, reformou o decisório para julgar improcedente a demanda, acentuando que a Municipalidade tem a direção e a administração dos cemitérios, armada de um severo poder de polícia e perfeitamente cabível na órbita desse poder, controle até mesmo prévio das inscrições tumulares e daí considerar acertada a determinação de retirada da lápide, porque suas expressões irreverentes não se compadecem com o sentimento religioso e com o respeito aos mortos.

VI. Contra essa decisão, investiu o vencido com o presente extraordinário, arrimando-se no art. 119, nº III, a, da Constituição da República, combinado com o art. 308 do Regimento Interno do Colendo Supremo Tribunal Federal. Sustenta como vulnerados os §§ 5º, 6º e 8º do art. 153 da Lei Maior.

V. Não houve impugnação do recurso.

VI. Afigura-se-me razoável a alegação de vulneração dos textos constitucionais que asseguram a plena liberdade de consciência e de crença. Ademais, a singularidade da espécie aconselha que seja submetida à alta apreciação do Pretório Excelso que traçará o exato âmbito do poder de polícia no tocante ao assunto. Admito, pois, o recurso, pela letra a do permissivo constitucional.” A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer pelo seu não conhecimento.

É o relatório. 



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