Ari Barroso e Luiz Peixoto
Caricatura de Ari Barroso
feita pelo amigo e parceiro Luiz Peixoto
Luiz Peixoto por Di Cavalcanti - 1964
Luiz
Peixoto:
- Eu estava no Teatro
Recreio, quando entrou um rapaz magro, malvestido e querendo que eu ouvisse
alguns de seus sambas.
Luiz confessou que, de início, não
fez fé naquele menino franzino de aparência modesta que queria uma oportunidade
para trabalhar comigo. Mesmo assim, deixou que ele se sentasse ao piano e pediu
que executasse algumas de suas composições.
Ari andava aí pela casa dos vinte
cinco anos, com seis de sofrimento e falta de grana no Rio de Janeiro, tocando
em intervalos de filmes. O compositor mineiro vinha fazendo seus “sambinhas” e
deixava as partituras com o maestro David Senzen, na Casa Wehrs, que as
analisava e decidia sobre a publicação.
Luiz estava às voltas com a direção de
"Laranja da China”, de Olegário Mariano, e procurava músicas para o
repertório da revista. A Casa Carlos Wehrs era roteiro obrigatório de todo
aquele que tivesse em mente, nos anos 20, montar um espetáculo musical. Ari, de
volta de uma viagem a Poços de Caldas, recebe a notícia do maestro:
- Ari,
tem gente interessada em alguns de seus trabalhos.
- Quem?
- Quem?
- Luiz Peixoto, o homem do
teatro. Ele e Olegário tiveram aqui há poucos dias e devem estar agora no
Teatro Recreio ensaiando a peça.
Ari não perdeu tempo. Correu à Praça
Tiradentes. Apresentou-se e logo depois estava sentado ao piano executando
alguns temas que não eram lá seu forte – o foxtrote – para algumas cenas da
revista. Luiz sentiu que podia apostar no compositor de Ubá:
-
Amanhã você pode me trazer onze músicas para uma revista?
- Onze?
- Onze?
- Se você me trouxer onze
foxes até às 13 horas, aqui no teatro, para ensaio...
Ari não esperou o final da frase.
Eram cinco da tarde e para não deixar escapar a oportunidade, foi para a pensão
que residia e varou a noite fazendo o dever de casa. Os hóspedes reclamando e
ele batucando no piano como se já estivesse na casa da sogra. Assim nasceram as
melodias “Febre azul”, “Carnaval”, “Segura a fazenda” e outras, que fizeram com
que Ari vivesse algum tempo vendendo suas músicas para o teatro.
Em 1930, às voltas com a falta de
dinheiro e influenciado por Eduardo Souto, o compositor mineiro resolveu
participar e ganhou o primeiro lugar no concurso de música de carnaval
promovido pela Casa Edson com a marchinha “Dá nela”, logo incluída por Marques
Porto e Luiz no repertório da peça “A melhor de três”, que terminaria indo à
cena com o título da música de Ari, que criticava as mulheres linguarudas.
Em 1935, trabalhou na Rádio Kosmos a
convite de Peixoto num programa de variedades, chamado “Hora H”, que alcançou
grande audiência, sendo logo depois lançado em tablóide com o mesmo nome. Os
dois não só escreviam como também apresentavam o programa, interpretando os
tipos que eles mesmos criavam e onde predominavam os quadros humorísticos:
- Imagine a senhora, que
desgraça! A minha sogra esmagada debaixo de minha barata, feita em pedaços.
- E
era velha?
- Não. Tinha comprado há dois meses.
- Não. Tinha comprado há dois meses.
Aproveitando-se da invasão da Etiópia
pelo exército italiano, Luiz interpretava Selassié, enquanto Ari fazia as vezes
de um malandro pernóstico, num quadro que contava com a participação de
Gagliano Neto no papel e Mussolini.
De outra
feita saíram-se com esta:
- Que diabos! Um churrasco
e uma compota de goiabada por 22 mil-réis! Vocês deveriam ter um pouco de
consideração, ao menos, com os colegas.
- Por
quê? O senhor também é dono de restaurante?
- Não. Eu também sou ladrão.
- Não. Eu também sou ladrão.
Apesar do sucesso do programa, Ari
estava impaciente, querendo voltar para o Rio, não via a hora de rever a Cidade
Maravilhosa: “Meu contrato terminará a 3 de março. Não renovarei, se meu amigo
me arranjar outro aí, na Transmissora. Longe do Rio sou um homem absolutamente
fodido. As saudades há muito me amargam. Preciso de mar... mar... mar...”
Renato Murce acaba atendendo o apelo do reclamante.
Renato Murce acaba atendendo o apelo do reclamante.
Em 1940, lá estava Ari figurando com
três músicas finalistas de um concurso que recebeu o título de “Noite da Música
Popular”, mas que na verdade, tratava-se de músicas de carnaval. Além de “Upa!
Upa! e "Iaiá boneca”, a “Aquarela do Brasil.
Na comissão julgadora, escolhida pelos próprios participantes, entre os
vinte nomes apresentados, figuravam como jurados: Villa-Lobos, Pixinguinha,
Eduardo Brow, Cabiré da Rocha e... Luiz Peixoto. Mesmo tendo declarado
solenemente, conforme nota divulgada pelo DIP, o promotor do concurso,
“submeter-se às decisões da mesma comissão, quaisquer que elas sejam...”, Ari
ficou fulo e esbravejou ao ver sua “Aquarela” eliminada sob a alegação de que
era inadequada, pelo caráter cívico e retumbante, como composição carnavalesca.
Há quem afirme, a boca pequena, que
“Aquarela do Brasil” teve a colaboração de Luiz, não só pelas redundâncias
poéticas existentes na letra, tais como “Brasil brasileiro...”, “coqueiro que
dá coco”, “rei congo do congado”, tão próprias do trovador ao cantar toda a
canção do seu amor, também pelo fato de, como membro do júri, não poder figurar
como co-autor da música.
Luiz jamais se pronunciou a respeito.
Alcyr Pires Vermelho conta que, pouco antes de morrer, foi curto e grosso e
indagou se Luiz, de fato, tinha alguma coisa a ver com a letra de “Aquarela do
Brasil”, mas Luiz, “apesar de um pouco vacilante, desviou a conversa”.
O número de
composições da dupla Ari-Peixoto perdeu-se no meio das partituras escritas para
o teatro musicado que não chegaram aos discos ou às rádios. Algumas ficaram
para sempre.
O samba-canção composto em 1931
e batizado de “Bahia” deveria fazer parte da peça de Luiz Peixoto e Freire Jr.,
com uma letra que principiava com os seguintes versos:
BahiaCheguei hoje da Bahia
Trouxe uma figa de Guiné...
Luiz achou o
tema muito batido e escreveu outra letra:
Maria, o teu nome principia
na palma da minha mão,
e cabe bem direitinho
dentro do meu coração,
Maria!
Segundo Ari, “Na batucada da vida”,
samba-canção, gravação original de Carmen Miranda e Os Diabos do Céu, com
arranjo de Pixinguinha, a inspiração lhe chegara de repente, certa madrugada,
num banco na Cinelândia, onde trocava confidências com Luiz.
-
Estou sentindo falta do piano – reclamou Ari.
- Então, vamos até o Alhambra – propôs Luiz.
- Às duas da madrugada?
- O que é que tem? O vigia do teatro é meu amigo – sentenciou Luiz.
- Então, vamos até o Alhambra – propôs Luiz.
- Às duas da madrugada?
- O que é que tem? O vigia do teatro é meu amigo – sentenciou Luiz.
Assim nascia aquela que é considerada
uma das melhores composições da dupla, na qual, mais uma vez, Luiz surpreende,
quando consideramos a superficialidade que caracteriza as composições da época
no tratamento temas sociais.
Ao longo da
vida essa dupla fantástica produziu pérolas raras e belas do nosso cancioneiro,
até hoje, reverenciadas pelas novas gerações.
Os “Encontros Afinados"
rolaram até o ano de 1964. Difícil quantificá-los...
Segundo os autores do livro (vide
fontes abaixo), “o ano de 1964 mal começara. Ari fora internado em estado grave
no Instituto Cirúrgico Gabriel Lucena e as visitas estavam proibidas. Luiz
achou que a proibição não era para ele e resolveu visitar o velho parceiro.
Antes, porém, passou por uma
sapataria e comprou sapatos novos. Ao chegar ao hospital, precedido pelo ranger
incômodo dos sapatos, foi recebido por Ivone, fiel companheira, que o alertou
sobre o estado do marido.
Luiz entrou no quarto, pé ante pé, com
todo cuidado para não incomodar o doente: ‘Assim não é possível, seu Luiz! Como
é que você visita um doente com um sapato desses?’
No hospital, lembra Pedro Bloch, o
velho Ari ainda nutria esperanças de que Luiz viesse fazer os versos de uma
canção para a comemoração do IV Centenário do Rio e pedia: ‘ Luiz, vivo
pensando na música do IV Centenário. Não demora, Luiz. Escreve logo’”.
Mas não deu... Ari Barroso apesar de
ser mais novo que Luiz Peixoto 23 anos, partiu para o “andar de cima”, dia 09
de fevereiro de 1964, faltando, praticamente, um mês para o fatídico golpe
militar de 64.
O próximo
“Encontro” dos dois, agora, no “andar de cima”, se deu com a partida de Luiz
Peixoto, aos 84 anos.
Imaginem o que já rolou, desde 1973,
de “Encontros” apoteóticos, no “andar de cima”, entre essa dupla, sem
sombra de dúvidas, uma das mais expressivas do universo cultural brasileiro.
Pena que os “Encontros Afinados”,
no 'andar de cima', não dá para espiar... Mas dá para imaginar...
Fontes:
Luiz Peixoto pelo Buraco da Fechadura, de Lysias Enio e Luis
Fernando Vieira. - Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2002.
Jornal "O Pasquim" - Ano VI, nº 235, Rio de Janeiro: 1º a 7 de
janeiro de 1974.
Nenhum comentário:
Postar um comentário