quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Nunca mais*

(...de uma quase antiga Porto Alegre)

Por Nilo da Silva Moraes

*Inspirada numa crônica de Artur Xexéo, no O Globo


Rua da Praia, anos 50, com seu calçamento original.

Nunca mais vi o lindo calçamento da Rua da Praia (foto acima) com suas pedras multicoloridas: feldspato, quartzo e mica. Nos dias de hoje, no local, colocaram um calçadão muito mal conservado.

Nunca mais vi alguém pescando lambari, traíra, mandinho, jundiá, cascudo, muçum ou pegando tartaruga no Arroio Dilúvio.

Nunca mais vi meninos malhando Judas, em Sábado de Aleluia.

Nunca mais vi dezenas de meninos pobres jogando com uma bola número 5, logo após o Natal. Nem meninas brincado de bonecas novinhas, na mesma data.

Nunca mais vi, em entradas de cinemas, aos domingos, meninos trocando gibis e assistindo a dois filmes de capa e espada, no Cinema Castelo.

Nunca mais vi garotos de um mesmo bairro e numa mesma rua fazendo as suas pandorgas para soltar na Semana Santa ou em novembro, mês dos ventos fortes.

Nunca mais vi meninos, em ruas sem calçamento, jogando bolita, às brincas, para ninguém sair perdendo. Nem garotos jogando bafo valendo figurinhas.

Nunca mais vi meninos jogando pião na roda e uns tentando acertar os piões dos outros para quebrar ao meio. Nem brincando no jogo de osso, gritando: Suerte! Ou: Culo baio!, dependendo da forma como o osso caía no chão.

Nunca mais vi meninos jogando com bola de meia ou borracha quando eles não tinham bola de couro para jogar. Nem aprendizes de craques tentando fazer balãozinho com bolas de borracha.

Nunca mais vi uma turma de amigos juntando gravetos, pedaços de madeira ou um pneu velho para fazer fogueira nos dias de São João e São Pedro; nem juntar bombinhas, busca-pés e bomba cabeça-de-negro para explodir nas duas festas juninas.

Nunca mais vi meninos e meninas desfilarem de guarda-pó branco e gravata borboleta azul no Desfile da Mocidade, ao som de um bumbo e quatros taróis.

Nunca mais vi algum garoto jogando bambá com casca de bergamota. Nem jogando taco na rua com uma bolinha velha de tênis, que era difícil de se conseguir uma.

Nunca mais vi o Circo Teatro Vitória, do seu Marinho, onde eu fui baleiro, para poder assistir, na primeira fila, aos “espetáculos teatrais” e lutas estilo marmelada.

Nunca mais vi meninos juntando ossos, vidros, jornais velhos, metal e alumínio para vender nos ferros-velhos da zona e juntar dinheiro para poder ir às matinés de domingo.

Nunca mais vi garotos fazendo as suas próprias fundas (bodoques) com bolinhas de argila endurecidas no sol para matar passarinhos ou para se defender de outros garotos.

Nunca mais poder ir, aos domingos, pela manhã, assistir, no Auditório da Rádio Farroupilha, ao Programa do Guri, comandado pelo Ary Rego e ouvir uma menina de 13 anos, chamada Elis Regina, a atração do programa, e ganhar um chocolate da Neugebauer.

Nunca mais poder ir ao Auditório da Rádio Gaúcha, no 8° andar do Edifício União, assistir ao Programa Campeonato em Três Tempos, do Carlos Nobre, onde cada ator fazia o papel de um time de futebol do campeonato gaúcho. Nem o campeão casar, no final do ano, com a Miss Copa.

Nunca mais assisti ao Programa Maurício Sobrinho (o antigo dono da RBS), domingo pela manhã no Cinema Castelo (3.500 lugares) com uma orquestra no palco, cantores e cantoras regionais, sendo que a atração máxima era (sempre ela) Elis Regina. Nem ouvi, no mesmo programa, no seu encerramento, a um cantor ou uma cantora de projeção nacional.

Nunca mais vi meninos fazendo seu próprio carrinho de lomba: madeira e rodas de rolimã, para descer lombas ou ladeiras da cidade.

Nunca mais vi a bandeira da Festa do Divino entrando nas casas. Nem as famílias inteiras beijando a pomba de prata e tirando uma fita da bandeira para dar sorte.

Nunca mais vi a procissão da Igreja Santo Antônio. Nem meninos vestidos de frades franciscanos (e eu fui um deles) para pagar promessas.

Nunca mais poder ir aos cinemas Castelo, Oásis, Roma, na Azenha; Pirajá, Brasil, Miramar, no Partenon; Atlas, na Medianeira; Rio Branco e Baltimore, no Bonfim; Capitólio, Garibaldi, Avenida, na Cidade Baixa; Ritz, em Petrópolis e tantos outros que já não existem mais...

Nunca mais assistir ao acendimento da Pira da Pátria ao lado da Redenção. Nem as grandes bandas marciais dos colégios particulares de Porto Alegre: a das Dores, Rosário, São João e Anchieta e dos colégios públicos: Parobé e Julinho.

Nunca mais vi as sátiras inteligentes da Parada dos Bichos. Nem os castigos aos calouros das faculdades, na Rua da Praia. Nem as passeatas onde estudantes apanhavam do Polícia de Choque, na época da ditadura.

Nunca mais poder comprar e admirar as vitrines da Casa Masson, Scarpini (O joalheiro da Metrópole), Casa Louro, Krahe, Sloper, Casa Coates. Nem comer uma banana split na lanchonete das Lojas Americanas.

Nunca mais paquerar as lindas garotas da Rua da Praia, pois hoje elas só andam nos shopings. Nem ouvir, de graça, a um LP inteiro numa das cabines de som das lojas que vendiam discos na Rua da Praia. Nem tomar um cafezinho no Rian, nem comer um sanduíche de pernil no Mateus.

Nunca mais ouvi concertos musicais no antigo Auditório Araújo Viana, defronte ao Palácio Piratini, com seus bancos de concreto e os lindos caramanchões floridos na primavera. Nem ouvir o cantor Silvio Caldas, o Caboclinho Querido, fazendo a sua "última" apresentação em Porto Alegre. Nem escutar o Rádio Sequência, ao meio-dia, da Rádio Farroupilha.

Nunca mais tomei chope nos bares: Oásis, Cottilon Clube, Gilbert´s e Bon Ami, no centro da cidade. Nem me defrontei com os vários tipos folclóricos que circulavam pela Rua da Praia: o Marimbondo, o Bataclã, a Maria Chorona, nem ser achacado pela Terezinha Morango, entre vários outros. Nem apreciar a Galinha ao Molho Pardo, no restaurante do China Gorda.

Nunca mais apreciar, sem comprar nada, os artigos da Loja Mesbla.

Nunca mais ir direto da Prefeitura aos cais do porto, sem muro de concreto, andar de barco ou pescar nas suas margens. Nem comprar legumes no mercado Livre.

Nunca mais ir ao Estádio dos Eucaliptos ou assistir, do morro que ficava ao lado do Estádio Olímpico, a mais um gre-nal. Nem assistir a jogos no Campo do Timbaúva, do Força e Luz, Renner, Nacional, na Chácara das Camélias, nem na Colina Melancólica, campo do Cruzeiro, hoje Cemitério João XXIII. Nem ficar num silêncio respeitoso na Sexta-feira Santa e Dia dos Finados, sem dizer nomes feios, para não ser castigado pelos pais.

Nunca mais vi lutas, estilo marmelada, no Ginásio da Brigada. Nem vi os jogos emocionantes de basquete na Universíade de 1963, sempre com o placar de 100 X... alguma coisa.

Nunca mais andei de barcos a remo no lago da Redenção. Nem utilizei mais a antiga minibiblioteca, que existia no parque, e que emprestava gibis para a garotada.

Nunca mais vi antigos carnavais, e me diverti nos antigos coretos de bairro patrocinados pela Pepsi-Cola: dois coretos na rua Santana, um na Leopoldo Bier, Vicente da Fontoura, Areal da Baronesa, Paineira... Nem colocar cadeiras para sentar-se, à noite, na hora dos desfiles dos blocos.

Nunca mais assisti a desfiles de blocos humorísticos (Saímos Sem Querer) que incomodaram o Regime Militar e, por isso, foram proibidos. Nem ver mais os desfiles blocos de tribos carnavalescas.

Nunca mais ter aulas no Colégio Rui Barbosa, que foi demolido para dar lugar a uma perimetral. Nem frequentar o Bar Alaska, na esquina da Sarmento Leite com a Oswaldo Aranha. Nem ver os tipos mais estranhos da esquerda festiva do colégio e das Faculdades de Filosofia e Arquitetura.

Nunca mais banhar-se nas águas do Guaíba, com suas praias de águas mornas e refrescantes no verão longínquo do litoral. Nem se encantar com lugares naturais como as praias de Belas, Assunção, Tristeza, Pedra Redonda, Ipanema, Guarujá e Veludo, em Belém Novo, quando não se falava em coliformes fecais e não existia a free-way.

Nunca mais andar de bonde pelos bairros de Porto Alegre. Nem curtir o bonde-gaiola com seu balanço pelos trilhos e suas curvas perigosas. Pegar o bonde andando e saltar ainda com ele em movimento era tarefa para os que gostavam do perigo fácil.

Nunca mais ver os letreiros luminosos dos famosos cabarés da Voluntários da Pátria: Balalaika, Novo Gaúcho, Novo México, Maipu, American Boite, onde o prazer era só para quem tinha disponibilidade financeira ou a turistas e marinheiros.

Nunca mais dançar de rosto colado nas boates dos anos 70 que havia na cidade. Nem dançar separado, uma novidade da época, nas boates da João Pessoa: La Ca Doro, La Fontana di Trevi, Senzala, nem ouvir a cantora Eneida Martins, no Gente da Noite, acompanhada ao violão pelo proprietário da casa, Túlio Piva.

Nunca mais ouvir samba de cantores gaúchos no Adelaide´s Bar, e ver Lupicínio Rodrigues acompanhado dos seus amigos de sempre.

Nunca mais ver exposições de temas científicos no Mata-Borrão. Nem visitar o Parque de Exposição que ficava no Menino Deus e nunca mais comprar laranjas e melancias na Doca das Frutas, final do cais do porto já bairro Navegantes.

Nunca mais ver carnaval da Borges, depois na rua João Alfredo, depois na João Pessoa, depois na Perimetral e, finalmente, “sambódromo”, ao lado do Parque da Harmonia. Hoje, no Porto Seco, por ser muito longe, quase ninguém mais vai lá...

Nunca mais apreciar a bela arquitetura do Mil e Uma Noites, Na Vila Assunção, que depois se transformou em Bier House e, mais tarde, no Clube dos Coroas, com salões para se dançar. Hoje, no lugar, há um conjunto de sobrados.

Nunca mais, nas noites quentes de verão, ver o pôr do sol no Timbuka, na também Vila Assunção, onde houve gente que conseguiu ver sol numa noite estrelada...

E, finalmente, nunca mais ser jovem e ter prazer em ver, viver, sentir todas essas coisas, que nunca mais voltarão, mas ficarão para sempre guardadas em nosso coração.


Bar Timbuka: uma geração inteira da Zona Sul bebeu nesse bar...


Um comentário:

  1. Que belas e saudosas recordações, quase tudo da minha época, que saudade e lembranças inesquecíveis

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