sábado, 26 de dezembro de 2015

Pequenos exemplos de vida


A lição barbeiro 


Eu tinha 15 ou 16 anos. Morava na Rua Luís de Camões, a rua da Igreja Santo Antônio, e cortava os cabelos numa barbearia que ficava na Avenida Bento Gonçalves, quase esquina da Barão do Amazonas, em Porto Alegre.
O barbeiro era um sujeito falante, cabelos ondulados de vate português. Ele sempre puxava conversa e falava aquilo que o cliente gostaria de ouvir. Entendia de tudo um pouco. Às vezes, eu não estava a fim de papo, ele respeitava o meu silêncio, cortava com capricho, dava um sorriso e se despedia.
Uma manhã, não sei se cortava os cabelos ou esperava a minha vez... Não me lembro... Um garoto de uns dez anos assomou à porta vendendo pastéis. Não disse nada e já ia continuar sua caminhada, quando o barbeiro o chamou:
- Menino, deixa eu ver os teus pastéis.
O garoto abriu o seu cesto coberto por uma toalha de mesa, mostrando a sua mercadoria. O barbeiro pegou um pastel, provou, pagou, tecendo um comentário:
- Menino, que pastel gostoso! Tu vais vender muito hoje, está bom demais!
Então, o pequeno vendedor apanhou um cruzeiro, o preço do pastel, e saiu todo sorridente e confiante pela rua.
O barbeiro comentou com os que estavam no recinto:
- Senti que ele estava muito acanhado, agora ele vai levantar a cabeça e anunciar melhor a sua mercadoria.
Aprendi, de uma forma simples, uma pequena lição. Nós temos que ter sensibilidade de entender as pessoas naquilo que elas não dizem, mas demonstram estar sentindo, e tentar fazer, com um pequeno gesto, que elas olhem a vida de outra forma, mais otimista, como vender melhor seus pastéis.

A lição do gerente


O Túlio era um jovem gerente de cinema. Morava na Avenida Bento Gonçalves e administrava o Cinema Pirajá, onde hoje é uma loja de tintas, que também ficava na mesma avenida, quase esquina da Rua Teixeira de Freitas, no Partenon. Ele se relacionava com todo mundo, tinha uma simpatia contagiante. Era um boa praça, como se dizia na época.
Nas matinês de domingo, ele deixava eu pegar uma lanterna e cuidar da “moral e dos bons costumes” dentro do cinema.
Foi no Pirajá que assisti a um dos musicais mais impactantes da minha vida: “Amor, Sublime Amor (West Side History). Ninguém do bairro gostou do filme, o pessoal comentava: “Que porra de filme! Quando os caras vão falar, começam a cantar!”.
Mas, voltemos à lição que o Túlio nos deu.
Uma noite, num sábado, na esquina do pecado, no Bar da Dona Dija, quando a patota estava toda reunida sem nada para fazer, apareceu o Túlio. O César, um garoto da turma, filho de uma cabeleireira que tinha seu salão na Bento, quase defronte ao Pirajá, de supetão disse ao Túlio:
- Túlio, me consegues um convite?
- Cara, quando te encontrares comigo pergunta: “Túlio como vais? E a família está bem? Só depois pede um convite. É claro que vou te dar um, mas aprende a lição.”
Eu, que estava ao lado vendo tudo, tomei a lição como se fosse para mim. Devemos interagir com as pessoas antes de fazer qualquer solicitação.

Depois de muitos anos, morando na Zona Sul, eu tinha em casa uma piscina. Toda a garotada do bairro, uns 20 meninos e meninas, usavam-na para brincar e tomar banho, aos sábados e domingos.
Numa sexta-feira, duas adolescentes gêmeas me perguntam:
- Tio, tem piscina amanhã?
Digo a elas, lembrando da lição do Túlio:
- Meninas, vocês passam por mim toda a semana e nem me olham! Cumprimentem-me, eu existo, eu não sou só o tiozinho da piscina, sou um ser humano. Tudo bem, podem tomar banho amanhã.
No dia seguinte, tomaram banho e continuaram a não olhar pra minha cara...
Umas pessoas aprendem; outras, não.

A lição do moderado


No início dos anos 70, tive um colega, homem calmo e ponderado, com o qual gostava de discutir temas políticos. Homem cerebral nas suas colocações, tinha um temperamento conciliador e suas palavras, por mais simples que fossem, sempre transmitiam pequenos ensinamentos filosóficos e realistas.
Em nossos debates, coisa que fazíamos sempre que conversávamos sobre qualquer assunto, eu sempre colocava minhas ideias socialistas como a salvação do homem e do mundo. Mas, um dia, depois de ouvir as minhas argumentações inovadoras, ele me disse uma frase que a tomei como um choque para voltar à realidade do mundo: “Meu amigo, tu tens soluções para fazer o mundo melhor, mas eu e a Entidade para qual faço trabalho voluntário, todas as semanas arrecadamos alimentos para saciar a fome dos mais humildes. E tu o que fazes por eles?
Não tive resposta. Calei-me. Percebi que as utopias são sonhos. A fome e o desamparo dos humildes são diários e verdadeiros.
Hoje, faço mensalmente tudo o que ele já fazia e defendia naquela época, pois eu aprendi a lição de um homem sem posição política, mas com uma visão real dos problemas sociais. Temos, sim, que ter utopias e sonhos na cabeça, e o realismo para fazer as coisas do coração, ajudando, no que for possível, aos mais necessitados

Por Nilo da Silva Moraes


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