Se o leitor é da minha opinião,
seremos bons amigos, mas se, por azar, pertence a seita que vou vituperar nesta
história, com certeza passa a classificar-me como o último dos miseráveis. Em
todo caso eu fico a ganhar contando a história porque amigos que concordem
conosco não há muitos, e porque será dito também que os últimos serão os
primeiros.
Eis sobre o que vou consultá-los:
“francamente não acham, como eu, insuportável a terrível que tem algumas
pessoas de fazer perguntas sobre as coisas mais ociosas?”
Suponhamos que a fatalidade vos
obriga dizer que o vosso tio fez uma asneira. “Perdão – interrompem eles – o
senhor vosso tio não é um cavalheiro trigueiro que usa óculos?"
“Não; é um ruivo que usa boa vista.”
“De cabelos crescidos?”
“Pelo contrário, completamente
calvo!”
E se, para encurtar razoes, explicais
que o vosso tio comprou um cão, é preciso descrever o animal, dizer-lhes quanto
custou o bicho, e se foi comprado a fulano ou sicrano. E ainda por cima sois
imperiosamente solicitados para avisar o vosso tio (do lado materno, não é?)
que na rua do Conservatório, ao fundo de pátio há uma pequena oficina, onde,
por preços baratíssimos, fabricam coleiras para cães, como não se usam em todo
o mundo.
Estas perguntas, além de poderem
provocar a apoplexia ou a dança de Saint-Guy, têm outros inconvenientes.
Excitam o burguês mais assomadiço a proferir palavras mal soantes e expõem o
inquiridor a registrar revelações chocantes para os seus princípios honestos.
O caso da Letapir parece-me
edificante para provar estes inconvenientes.
Madame Letapir, que eu conheço
intimamente, é inspetora das escolas, e em vez de interrogar as crianças sobre
a idade de Matusalém, entretém-se a tirar delas toda a série de informações que
pode, acerca das suas famílias.
Ainda há pouco tempo, fora ela a uma
pequena terra do litoral, com porto de mar, em visita a escola maternal, quando
chegou, já bastante depois da aula começar, o pequeno Martinho que trazia um
bilhete da mãe a desculpá-lo de ter chegado tarde, porque fora ele a causadora
da demora.
– E por que é que a tua mãezinha te
demorou até tão tarde?
– Porque está doente...
– Ah! Coitadinha... Será tuberculose!
– Não, minha senhora. Está deitado
porque teve um menino... E eu tive que fazer o serviço de casa.
– Ah! que graça. Está contente por
ter um mano?
– Estou, sim senhora.
– É menino ou menina?
– Isso é que eu não sei – disse o
garoto rindo – ainda não lhe vi senão a cabeça.
A esta resposta, a professora fez-se
corada como um tomate, e a Madame Letapir também corou um pouco. Quis reparar a
sua gafe, mas, infelizmente, pelo método homeopático; quero dizer recorrendo a
um processo favorito:
– E o teu pai? – continuou ela
disfarçadamente – o que faz ele?
– É marinheiro.
– Ah! E está contente também por ter
um novo bebê, não é verdade?
– Isso é que eu não sei, minha
senhora – respondeu Martinho coçando a cabeça – há dois anos que anda em
viagem...
A professora ia chegando ao rubro, e
Madame Letapir, verificou, de repente, que eram já 10 horas e era melhor acabar
a aula e a inspeção.
*George
Auriol, nasceu Jean-Georges Huyot (26 de abril de 1863, Beauvais (Oise) –
fevereiro de 1938, Paris), foi um escritor, poeta francês, compositor e designer gráfico.
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