segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Grandes anedotas da história



Frei Bastos* adorava escandalizar os que o ouviam no púlpito. Certa vez, ao iniciar seu sermão, bradou:

– Maldito seja o Pai! Maldito seja o Filho! Maldito seja o Espírito Santo... bradam os demônios do inferno!

*****

→ De outra feita, fazendo o sermão em louvor de São Benedito, dirigiu-se ao santo no seguinte tom:

– Negro! Bêbado! Ladrão!

E quando todos saltavam em seus bancos, apavorados, continuou, eloquentemente:

– Sim! Negro, porque o Demônio escureceu-lhe a pele, já que não podia escurecer-lhe a alma! Bêbado, sim! Porque a graça divina o trazia em perpétua ebriedade! E ladrão! Ladrão, realmente, pois roubava o Menino dos braços de sua mãe amantíssima!

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→ Conta-se, ainda, que na cidade de Salvador costumavam frequentar a missa da qual frei Bastos era incumbido do sermão uma senhora e suas duas filhas, da mais alta sociedade, riquíssimas, mas muito feias. Além disso, orgulhosas, só assistiam aos serviços divinos do alto das tribunas reservadas. E nada as suscetibilizava mais do que qualquer alusão, por mais velada que fosse, à sua proverbial fealdade.

Pois bem: frei Bastos, em certo domingo festivo, com a igreja transbordante de fiéis, sobe ao púlpito e, erguendo os olhos, depara com as três feiosas, logo atrás da balaustrada da tribuna principal.

Erguendo os olhos, ergue também os braços e, as pupilas fixas nas caras medonhas das ricas damas, exclama a pleno pulmões:

– Como são feias, Senhor! Como são feias!

Diante daquilo a assistência em peso torceu-se em seus lugares e todos os olhos levantaram-se para tribuna solene. As damas visadas entreolharam-se, aflitas.

E frei Bastos, imperturbável, os olhos sempre erguidos, os braços abertos:

– Como são horrorosas!

Já se erguiam as damas para fugirem ao escândalo, quando o padre, descendo olhos e braços, continuou, com toda a naturalidade:

– Sim, como são horrorosas... as almas em pecado mortal!

*****

*Bastos Baraúna (Frei Francisco Xavier de Santa Rita – 1785-1846) – Pregador franciscano nascido na Bahia, célebre pelo seu talento e sua vida desordenada.

→ Na Bahia, em cena aberta, transcorria a festa da comemoração do decenário de Castro Alves.

Rui Barbosa, já então orador consagrado, fizera o elogio do poeta. É quando surge no palco o médico Manoel Vitorino, para recitar o famoso Navio Negreiro.


Tudo vai muito bem, e palmas fervorosas interrompem o declamador nos trechos mais comoventes. E vem a passagem conhecidíssima:

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...

Mais adiante, a exortação:

Mas é infâmia demais! ... da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

E num apelo dramático:

Andrada! Arranca este pendão dos ares!
Colombo!...

Nesse momento, com a plateia imersa no mais profundo silêncio, pendente dos lábios do declamador inflamado, o final da última frase, lá do alto, da galeria repleta, uma vozinha fina, humilde, de moleque baiano, responde, como se tivesse sido chamado:

– Inhô?...

– ...fecha a porta dos teus mares!

– Sim sinhô... – respondeu a mesma voz humilde.

E lá se foi toda a respeitabilidade da festa de comemoração, abafada pela mais monumental gargalhada coletiva que já ressoara naquela casa de espetáculos.

O chapéu velho


→ Conta Afrânio Peixoto que Raimundo Correia, quando ainda estudante, mandou fazer roupa nova. Os amigos exigiram que comprasse também um chapéu, para substituir o velho penante que usava havia séculos. Acompanharam-no à chapelaria e ali Raimundo escolheu o chapéu que melhor diria com o terno novo, peça elegante, naturalmente.

No dia seguinte, eis que entra Raimundo na faculdade envergando a roupa nova, mas trazendo à cabeça o velho chapéu de todos os dias. Espanto dos colegas! Distração? Roubo do chapéu? E o poeta explicou: estava pronto, ia sair, todo bem-vestido, o chapéu pendurado no cabide, desbotado, amolgado, fita esgarçada com tamanho ar de humildade e abandono que o coração do jovem se confrangeu. Parecia ouvi-lo dizer:

“É assim... Fui teu companheiro de todos os momentos, tomei garoa e sol, pensei e sofri contigo, meses a fio. Agora, no teu momento de glória, metido em bela roupa nova, quando vais chamar a atenção pela elegância, levas o outro, o novo. Que é ele, para ti? Um desconhecido, um estranho... Compraste-o ontem e já me abandonas por ele...”

E Raimundo não resistiu. Trocou de chapéu. Levando o velho mais uma vez, a última vez, em companhia da roupa nova, para que ele compartilhasse do seu dia de suprema elegância.

(Do livro: “Grandes Anedotas da História”, de Nair Lacerda)


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