Cobras Criadas - A
história de David Nasser e O Cruzeiro,
de Luiz Maklouf de
Carvalho, 600 páginas, Editora Senac, São Paulo.
O jornalista Luiz Maklouf de
Carvalho é antes de tudo um repórter fuçador, com muitos quilômetros rodados em
reportagens de longo curso e dono de saudável obsessão pelo rigor na apuração –
características suficientemente demonstradas em suas passagens pelos jornais O
Estado de S.Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil.
Dois anos atrás, encasquetou com um
personagem tão famoso quanto polêmico – o repórter David Nasser, estrela maior
da revista O Cruzeiro. Mergulhou na vida de Nasser e da revista para produzir Cobras
Criadas - A história de David Nasser e O Cruzeiro, agora publicado pela Editora
Senac, de São Paulo. Mergulhou nos intestinos da revista, desvendou-os e
descobriu, com fartura de dados, que o mito David Nasser não passava disso
mesmo – um mito. Como repórter, era um picareta; como cidadão, um conservador
baboso que apoiou o Esquadrão da Morte, no Rio.
Em entrevista ao Observatório da
Imprensa, reproduzida a seguir, Maklouf comenta os principais eixos de seu novo
livro-reportagem.
→ Como nasceu o interesse por David Nasser? Você era leitor de matérias dele no
Cruzeiro?
→ Luiz Maklouf Carvalho – Lia,
eventualmente, já na fase de articulista, e não mais de repórter. Achei que era
um bom personagem lendo o Chatô, do Fernando Morais, onde ele aparece aqui e
ali, assim como O Cruzeiro. Bati o martelo depois de ler Mergulho na aventura,
com fotos do Jean Manzon, onde estão algumas reportagens da fase áurea dos
dois, em O
Cruzeiro. Fiquei impressionado com o jornalismo inventivo que
tinha ali – e achei que o Nasser era um bom gancho para um mergulho na história
da revista.
→ No início do trabalho de
investigação você já considerava a hipótese de encontrar um exemplo tão pouco
instrutivo da prática da reportagem aliado a um caráter tão desedificante?
→ L. M. C. – No aspecto
reportagem, sim. A leitura dos livros dele – quase todos seleta do material de O
Cruzeiro – mostra um absoluto desprezo pelos fatos, característica que não era
só dele, e sim do jornalismo que predominava na época. No caso do caráter, fiz
esforço para não incluir juízos de valor, deixando a conclusão para os
leitores. Nasser é o personagem principal, mas procurei mostrar o que
era O Cruzeiro, como um todo, perfilando boa parte das demais estrelas da
revista.
→ Como explicar a enorme
credibilidade de David Nasser? Ou, em vez de credibilidade, a palavra mais
adequada é tão-somente fama?
→ L. M. C. – O livro revela um
segredo que Nasser guardou a vida inteira: sua própria revista, quando ele
estava no auge, colocou essa credibilidade em xeque e o afastou da reportagem.
A fama cresceu, ajudada pela máquina dos Diários Associados, quando ele e o
Manzon armaram aquela reportagem sobre o Barreto Pinto de cuecas. Vista de
perto, não sobra nada.
→ Em que circunstâncias se deram
a aproximação de Nasser com o Esquadrão da Morte, no Rio? No que isso resultou?
→ L. M. C. – David Nasser era
presidente de honra da Scuderie Le Cocq, o nome fantasia do Esquadrão da Morte.
Tinha orgulho disso, e defendia publicamente os integrantes do Esquadrão. Um
dos que entrevistei, o hoje deputado estadual Sivuca, do Rio de Janeiro, conta
detalhes dessa relação. No pré-golpe de 64, o Esquadrão inteiro estava na casa
do Nasser, todo mundo armado, como mostram as fotos.
→ Entre jornalistas não é raro
ouvir menções saudosas ao tempo das "grandes reportagens", durante o
qual David Nasser foi estrela em permanente ascensão. No que o personagem
central do livro, malgrado suas agora documentadas picaretagens, contribuiu na
formação da geração de repórteres investigativos que a ele se seguiu?
→ L. M. C. – Em nada, creio. A
não ser no que diz respeito à contestação dos métodos que eles usavam. Vistas
de perto, as chamadas grandes reportagens do Nasser, com ou sem o Manzon, estão
eivadas de procedimentos que o bom jornalismo condena.
→ O Cruzeiro vendia 700 mil
exemplares num Brasil de 50 milhões de habitantes, o que significa, grosso
modo, uma revista com circulação pelo menos três vezes maior que a atual Veja –
num país, à época, de poucas revistas, forte presença do rádio e TV incipiente.
Quais as informações apuradas sobre O Cruzeiro que mais lhe chamaram a atenção?
→ L. M. C. – Essa tiragem é mais
um mito na história de O Cruzeiro. Os tais 720 mil exemplares – anunciados no
expediente, pois ainda não havia o IVC – só existiram em uma única edição, a do
suicídio do Getúlio. De lá até o fim, entrou na descendente. A documentação que
encontrei nos arquivos do Nasser esclarece muitas coisas sobre a luta interna
que levou a revista ao fechamento – entre elas o rompimento entre o Nasser e o
João Calmon, uma briga de foice no escuro.
→ Do ponto de vista da
responsabilidade social e da qualidade editorial, quais as diferenças e as
semelhanças mais notáveis entre mídia brasileira atual e a do período
investigado por você?
→ L. M. C. – Acho que melhorou,
nos dois aspectos, à medida que há mais cobrança da sociedade.
David Nasser
(Jaú, 1° de
janeiro de 1917 – Rio de Janeiro, 10 de dezembro de1980)
foi um compositor e jornalista brasileiro.
David Nasser
Por Marcos Júnior
O jornalista e compositor David
Nasser morreu em 10 de dezembro de 1980, aos 62 anos, por complicações de
diabetes e câncer no pâncreas.
Natural da cidade paulista de Jaú,
onde nasceu em 1º de janeiro de 1917, viveu em Caxambu (MG), onde conheceu o
cantor Francisco Alves, com quem se reencontrou na juventude, já morando no Rio
de Janeiro, trabalhando nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
Desenvolveu sua carreira
jornalística, escrevendo inúmeras histórias, entre elas "Giselle - A Espiã
Nua que Abalou Paris" e, paralelamente sua veia musical também não foi
deixada de lado, musicando versos para letras de Francisco Alves e sendo autor
da marchinha carnavalesca "Nega do Cabelo Duro".
Após passar pelo "O Globo",
Nasser destacou-se na revista "O Cruzeiro", principal publicação
brasileira nas décadas de 40 e 50, onde fez inúmeras reportagens em parceria
com o fotógrafo Jean Manzon.
Ligado às correntes mais
conservadoras, severo crítico de Leonel Brizola, apoiou a ditadura militar no
Brasil, iniciada com o Golpe de 64 e passou a trabalhar na revista
"Manchete" a partir de fevereiro de 1976, iniciando um período de
intensos ataques a seu antigo chefe, João Calmon, utilizando-se de influência
às esferas militares para que os processos contra o mesmo fossem acelerados.
Autor de diversos livros, entre eles "A
Revolução dos Covardes", "Só meu sangue é alemão" e "A
Revolução que se perdeu a si mesma", Nasser foi aquilo que podemos chamar
do jornalista do "politicamente incorreto". Exemplo maior disso foi
uma reportagem que fez em 1945 ao lado de Jean Manzon para "O
Cruzeiro", quando assinou uma matéria com a intenção de diferenciar
chineses de japoneses. Para Nasser, o japonês poderia ser distinguido pelo seu
aspecto repulsivo, míope e insignificante.
O velho Leonel
Brizola disse certa vez que:
“David Nasser não se vende, ele se aluga.”
A briga entre Leonel Brizola e David Nasser
Em 26 de dezembro de 1963 o deputado
Leonel Brizola avistou no balcão da Varig, aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro,
o jornalista David Nasser, Diretor de O Cruzeiro. Nasser apenas ouviu o tom exaltado do
parlamentar: “Prepara-te para apanhar”.
Foi quando recebeu, primeiro um soco no ouvido, depois um murro no queixo que o
derrubou. No chão, zonzo, ainda conseguiu ouvir as ameaças do político gaúcho:
“Da próxima vez terás que engolir o
artigo inteiro.” Brizola
referia-se a um editorial de duas páginas, publicado na edição de 20 de julho/1963
da revista com o título “Resposta a um pulha”, um dos mais contundentes textos
já publicados na mídia brasileira no século XX contra um homem público.
No referido editorial Nasser chama
Brizola de “um exemplo trágico de
inexorável verdade hereditária” e então esclarece o seu raciocínio: “Na sua ascendência o laboratorista moral
poderia encontrar santos, mafiosos, papas e abigeatos. Não creio, entretanto,
que nessa pesquisa encontrasse um covarde de sua espécie”. Mais adiante
define o deputado como “essa coisa que
anda, que fala, que ri, que mente, que insulta… de um mussolonismo barato, sem
grandeza, porque é a de um “Duce” de esgoto… à espera de uma creolina
democrática ou gramatical”.
Coice do Pangaré
Sem outra intenção, senão a de
ofender, continua: “Acredita… esse
pangaré mordido de cascavel verborrágica, esse rebotalho humano que exibe a sua
cunhadeza… imagina o senhor Leonel Brizola, o capadócio cunhoso, que um homem
de bem não sabe, não pode lhe responder na
sua linguagem sem asseio.” Mais adiante o editorialista apela: “Não tenho medo de você cafajeste inibido,
boçal que aprendeu a ler com o minuano na ampla universidade dos ladrões
de cavalos. Venha com os seus capangas de fraldas enceradas, ladrões, como
você, mamadores como você do infeliz
tesouro do Rio Grande do Sul…” Então finaliza: “triste é o jornalista que tem o dever, neste prefácio de lama, de
enfiar a pena no seu sangue pútrido, na sua carreira putrefata e na sua figura
pífia, para cumprir o sagrado papel de revelar à geração atual e à geração futura, que nós não tivemos culpa do
senhor existir.”
Brizola, diante da virulência do
editorial do O Cruzeiro, processou Nasser por injúria, calunia e difamação e
meses depois no encontro narrado no início deste artigo, perante testemunhas,
nocauteou o jornalista. O episódio foi manchete do O Jornal e Última Hora e
matéria de primeira página na Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo e virou
literatura de cordel nos versos de Cuíca de Santo Amaro. Mesmo assim Nasser
teve a cara de pau de contar a sua versão distorcida dos fatos em artigo
publicado em 10/01/64: “Bato o teclado
desta máquina com a mão que
esbofeteou um canalha pela segunda vez…”. Pelo visto o soco lhe alterou,
também, o juízo.
Portal Imprensa
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