domingo, 17 de abril de 2016

A Imprensa, essa previsível


        
Já escrevi coisa semelhante no livro “Lições de um ignorante”, mas como a imprensa continua um repositório de lugares-comuns (este jornal é de hoje ou do ano passado?) lá vou eu também na mesma trilha.

Editorial

Quem falou sobre o assunto?
– Porta-vozes desinteressados.

Mas que, apesar disso?
– São estremamente bem informados.

As conversações se desenrolaram?
– Sob o signo das boas intenções de parte a parte.

Já não estamos mais?
– No tempo em que os diferentes órgãos do governo se atritavam descoordenados.

Podemos afirmar que se acabaram?
– Todas as divergências.

Tráfego

O acidente foi?
– Pavoroso.

Devido, mais uma vez?
– À deficiência de sinalização no cruzamento do Aterro.

Ou então?
À imprudência dos pedestres que arriscam a vida não atravessando pelas passarelas.

Ou ainda?
– Devido à verdadeira loucura e imperícia dos motoristas de ônibus.

O motorista então?
– Perdeu a direção e feriu seis pessoas.

É por isso ou afirmamos mais uma vez?
– Que as autoridades devem tomar providências enérgicas antes que esta cidade vire um montão de cadáveres e escombros de viaturas assassinas.

Economia

O que foi que aumentou de maneira milagrosa?
– O nosso produto bruto.

Devido, sobretudo?
– A uma sábia política fiscal, redistribuição de renda e apoio à indústria nacional.

A fixação da política governamental foi recebida?
– Com uma verdadeira consagração.

Por que os resultados obtidos foram?
– Sem precedentes.

Devido a termos abandonado os métodos?
– Tradicionais. (Variante) Ultrapassados.

Ano que vem a nova meta é?
– Reduzir a inflação a seus níveis mínimos.

Polícia

A vítima estava?
– Em decúbito dorsal.

Foi assassinada?
– Por roubo ou ciúme.

O corpo apresentava evidentes sinais?
– De violência.

O instrumento de morte era?
– Perfuro cortante.

A vítima morava?
– Só. E tinha hábitos pacatos.

O suspeito era?
– Um entregador de gelo de 21 anos, que tinha uma intimidade estranha com o velho milionário.

Urbanismo

Se fará uma nova incorporação?
– De 180 andares.

A incorporação se destina?
– A revolucionar o conceito de moradia.

Todos os apartamentos serão?
– De frente, com vista para o mar e a lagoa.

O edifício será construído?
– Em centro de terreno, naquela rua sossegada, na tranquilidade com que você sempre sonhou, fachada em pastilhas, play-ground e salão de festas.

Serão apenas?
– Oitenta e cinco apartamentos por andar.

(Millôr Fernandes em O Pasquim)


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