terça-feira, 5 de abril de 2016

A Justiça de Karakouss


(De As Mil e Uma Noites, recriada por H.T. Katibah)*


Karakouss foi um dos déspotas mais esquisitos da história. Seu nome tornou-se símbolo da injustiça, e sua injustiça tinha um cunho burlesco inconfundível, como mostra a seguinte história:

Quando Karakous era governador do Cairo, um ladrão tentou entrar numa casa para roubar. Escalou a parede até a janela. Mas a moldura da janela era fraca; cedeu, e o ladrão caiu e quebrou a perna.

No dia seguinte, apresentou-se ao governador e disse: “Excelência, eu sou ladrão profissional. Ontem, tentei entrar numa casa para roubar. Mas a moldura da janela era muito fraca: cedeu, eu caí e quebrei a perna.”

Karakus ordenou aos guardas que trouxessem o proprietário da casa. O governador repetiu-lhe a narração do ladrão e acrescentou: “Por que fizeste a moldura de tua janela tão fraca que cedeu, levando este pobre ladrão a quebrar a perna?”

O homem empalideceu, mas ele conhecia o governador. Pensou um momento e disse: “Excelência, não foi culpa minha. Eu paguei ao carpinteiro o bastante para que ele fizesse uma moldura resistente. Por que a fez fraca, não sei.”

– Bem pensado, disse o governador. Tragam-me o carpinteiro.

Quando o carpinteiro chegou, disse Karakouss: “Este homem diz que te pagou o suficiente para que instalasses uma boa janela em sua casa. Por que fizeste a moldura da janela fraca demais para aguentar o peso deste pobre ladrão, que caiu e quebrou a perna?”

O carpinteiro retrucou: “Excelência, não foi culpa minha. Quando estava instalando a moldura, uma moça bonita, vestida de vermelho, passou na rua; fiquei distraído e não coloquei os pregos necessários.”

Karakouss mandou saber quem era a beldade e ordenou que a trouxessem, e disse-lhe; “Foi por causa de tua beleza e de teu vestido vermelho que este carpinteiro não fixou bem a moldura da janela e, em consequência, este pobre ladrão caiu e quebrou a perna.”

A moça replicou: “Excelência, a minha beleza vem de Alá, e o meu vestido, do comerciante da esquina. Foi ele quem mo vendeu.”

– Tragam-me o comerciante, gritou Karakouss na sua procura de justiça absoluta.

Quando o comerciante chegou, disse-lhe: “Tu, miserável comerciante! Por que vendeste um vestido vermelho àquela mola, fazendo-a distrair o carpinteiro no seu trabalho e causando a infelicidade deste pobre ladrão?”

O comerciante não soube o que responder, e Karakus ordenou aos guardas: “Levem-no e enforquem-no na porta da prisão.”

Quando foram executar a ordem, verificaram que o comerciante era muito alto para aquela porta. Inteiraram o governador. Karakouss tinha resposta para tudo. Ordenou: “Procurem um comerciante baixinho e enforquem-no no lugar deste.”  

Os guardas procuraram um comerciante baixinho, arrastaram-no, apesar de seus protestos, e enforcaram-no na porta da prisão.

Assim foi cumprida a justiça de Karakouss.

(Do livro “As belas páginas da Literatura Árabe”, de Mansour Challita)

*H. I. Katibah, um norte-americano de origem libanesa. procurou ressuscitar em pleno século XX os contos populares antigos do Mundo Árabe,  dando-lhes novo feitio e acrescentando-lhes novos elementos de fantasia. Seus livros mais conhecidos são Other Arabian Nights e Arabian Romances and Folk-Tales.


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