segunda-feira, 18 de abril de 2016

A morte do Pai da Aviação

J. Muniz Jr .(1)*


O mês de julho tem um grande significado para a nossa aviação, pois assinala a passagem de duas importantes datas: o nascimento e a morte de Alberto Santos Dumont, que trabalhou incansavelmente pelo progresso da humanidade, escrevendo páginas decisivas na história espacial, como criador do primeiro balão dirigível e do aeroplano mecânico.

No início da Revolução de 1932, ele havia chegado a Guarujá, acompanhado do seu sobrinho Jorge Dumont Villares, demonstrando então profundo esgotamento nervoso. Ficou hospedado no Hotel La Plage e no dia 23 ainda chegou a receber a visita do aviador Edu Chaves, sendo que pouco depois veio a ocorrer o dramático desfecho.


Laudo necrológico pelo legista Roberto Catunda,
nos arquivos policiais: Transcrição parcial:

“Guarujá - Alberto Santos Dumont - 23-julho-1932. Alberto Santos Dumont - Brasileiro, branco, solteiro, com 59 anos de idade, inventor. Ao que consta, foi encontrado morto em um dos apartamentos do hotel de la Plage, no Guarujá, onde residia. Trata-se do cadáver de um homem de estatura mediana e de constituição regular, ainda em estado de flacidez muscular. Veste terno de casemira preta, gravata preta e calça botinas pretas. Não encontramos pelo corpo vestígio de lesão traumática. A morte se deu por colapso cardíaco”.

Imagem: cópia no acervo do historiador Waldir Rueda


Existem várias versões sobre o seu falecimento, mas vejamos o relato do delegado de polícia que atendeu à ocorrência, Dr. Raimundo de Menezes, descrita por Barros Ferreira, a qual transcrevemos: (2)

“- Santos Dumont estava hospedado no Hotel La Plage, que era o melhor do Guarujá. De lá, recebera a comunicação aflita. Não havia tempo a perder. Dirigi-me para o hotel, onde fui encontrar Edu Chaves e um sobrinho do inventor, muito preocupados. Contaram-me que Santos Dumont, nos últimos dias, ficara muito impressionado com o lançamento de bombas por parte de aviões do Governo Ditatorial. Culpava-se pelo seu invento, que devia aproximar os homens e não contribuir para maior matança. Penitenciava-se pelo mau uso que faziam da aviação. Já sofrera uma crise muito grave.

Sucedera o inesperado. Apesar da vigilância com que o cercavam discretamente, ele desaparecera. Talvez se tivesse afogado.

- Mas já procuraram no hotel?
- Ainda não.
- Já viram nos banheiros? Qual deles usava?
- Está fechado.
- Por dentro ou por fora?
- Não reparamos.
- Convém ir ver sem demora. É capaz de estar...

Correram em direção ao banheiro. Bateram à porta. Como não houvesse resposta, mandei arrombá-la. E o que vimos constituía um quadro dos mais dramáticos. Santos Dumont enforcara-se. O corpo, pequeno e magro, pendia do cano do chuveiro. Utilizara como corda o cordão do roupão de banho. Retirado o corpo, o médico informou que nada mais havia a fazer. Estava morto. Restava dar cumprimento aos regulamentos. Conquanto se tratasse de uma glória nacional, a autópsia se impunha. Mas, quando cheguei à delegacia, já me aguardava um telefonema do chefe de polícia, então o Tirso Martins. Informou-me que a família de Santos Dumont obtivera do Governador Pedro de Toledo a entrega do corpo...

E mais adiante:

... - Suicidou-se, sem dúvida alguma. Por enforcamento. Apanhou o sobrinho distraído e escapou-lhe. O Edu Chaves contou-me que ele andava muito abatido, ultimamente.

- Então não crie embaraços à família. Vamos dar o caso como morte natural. A família insiste na dispensa da autópsia. Não há motivo para não atender a essa solicitação. O governador está de acordo. Eu assumo a responsabilidade. Já demos instruções à Censura para que os jornais não divulguem a morte como suicídio.

Assim foi encerrado o caso. Para mim, de certa maneira, da forma mais humanitária e honrosa...”.

O "Pai da Aviação" passou seus últimos dias de vida no Grande Hotel de La Plage, em Guarujá, na Ilha de Santo Amaro, a poucos quilômetros da Base de Aviação Naval da Bocaina. E foi ali que, visivelmente abatido pela doença que o afligia, entregou a alma ao Criador no dia 23 de julho de 1932, quando o governo decretou luto oficial por três dias.

Depois do triste desenlace, os parentes e amigos que se encontravam em São Paulo, Drs. Jorge Alfredo e Alberto Dumont Villares, os Srs. José Severo Dumont Fonseca, Alcides de Nova Gomes e os Drs. Taylor de Oliveira, Francisco Bento de Carvalho, José Bento de Carvalho e João Mourão, se deslocaram rapidamente para o Guarujá e acompanharam o corpo até nossa cidade, através do ferry-boat e, daqui para São Paulo, pela estrada de rodagem. (3)

Da capital bandeirante, o esquife de Santos Dumont foi colocado num comboio especial que partiu da Estação do Norte (Roosevelt) com destino ao Rio de Janeiro, onde foi sepultado com honras de Ministro de Estado.

Suicídio ou não, o certo é que desaparecia, aos 59 anos de idade, o genial aeronauta patrício, desbravador incansável que cumprira o seu patriótico sonho de menino: competiu com as aves e elevou-se majestosamente no espaço como um verdadeiro homem-pássaro, tranqüilo como um deus-alado, pois, afinal, o seu sonho era "voar como os pássaros e não saltar como os gafanhotos".




(1) J. Muniz Jr., no livroEpisódios e Narrativas da Aviação na Baixada Santista, edição do autor, comemorativa da Semana da Asa de 1982, Santos/SP.

NOTAS:

(2) "Morte Trágica de Santos Dumont", Edição Extra.... (4.3.1963)

(3) "O Brasil Perdeu um dos Seus Maiores Filhos", jornal A Tribuna (24.7.1932)

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