Reminiscências
históricas do Dr. Serzedelo Correia*
Floriano Peixoto em 1881
Em sua vida modesta e retraída,
durante o império, Floriano Peixoto era um cidadão apaixonadamente republicano.
Prova-o o fato de Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca o convidaram para o
movimento de 15 de novembro e ele só ter aderido depois de Benjamin francamente
lhe declarar que iríamos até a proclamação da República e prova-o ainda o
seguinte fato passado comigo:
Era eu capitão de engenheiros e ele
ajudante general do governo liberal que acabava de subir.
S.M. o imperador havia demitido o
Ministério conservador, dissolvido a Câmara e encarregado o visconde de Ouro
Preto de organizar o governo. No dia da apresentação do Ministério às Câmaras,
houve uma sessão muito tumultuosa. Perante as galerias e o recinto da Câmara
apinhadas de povo, o padre João Manoel pronunciou uma vibrante e eloquente
objurgatoria contra a regime, terminando por um “Viva à República e abaixo a
Monarquia!”.
As galerias prorromperam em aplausos e
gritos de “Viva a República!”.
Eu, que estava no recinto, fardado,
era dos quais mais gritavam – “Viva a República!” Nisso, senti, com força,
puxarem-me a farda. Voltei-me; era o ajudante general do Exército, marechal
Floriano. Julguei-me preso. Ele, porém. Risonho, disse-me ao ouvido:
– Capitão,
com isso vai depressa!...
Estávamos em 15 de novembro.
Marchavam as tropas revolucionárias
para o Campo de Santana, comandados pelo major Sólon e Benjamin. Vínhamos pelo
Mangue, Benjamin no centro, Pedro Paulino, irmão de Deodoro, à paisana, à
esquerda, e eu à frente de dois pelotões da Escola Superior de Guerra, em infantaria. Não
vendo Deodoro, e receando um combate ao entrarmos no campo, interpelei Benjamin
sobre quem comandava a nossa força. Benjamin respondeu-me: Deodoro vem aí; mas
se não vier, dê-me a sua palavra de honra que não dirá nada a ninguém! Se
Deodoro não vier, comandará esta força o Floriano.
Chegamos ao Campo, e à voz de
Deodoro, que veio ao nosso encontro no Mangue, estendemos a força em linha de
combate, em frente ao Quartel General.
Nesse tempo, Floriano, ao lado do
Ministério, manobrava com extraordinária habilidade. Nomeava o general Barreto
– que sabia bem ser dos nossos – comandante da Polícia e do Corpo de Bombeiros,
para nos receber no Campo de Santana; Barreto, porém, aderiu a Deodoro.
Floriano nomeou, então, o barão do Rio
Apa, irmão do ministro da Guerra, monarquista confesso, para comandar três
corpos de infantaria que eram fiéis ao governo, com exceção da primeira
companhia de guerra do 7°, comandada pelo capitão Ferraz, que era dos nossos.
Rio Apa armou-se, desceu para assumir o comando e, dirigindo-se à primeira
companhia de guerra do 7°, disse:
– Primeira
companhia de guerra! Ombro armas!
O capitão
Ferraz saltou à frente da companhia e disse:
– General, quem manda nessa força sou
eu! Primeira companhia de guerra, descansar armas!
E os
soldados obedeceram.
Rio Apa, assombrado, foi fazer queixa
a Floriano para prender o oficial. Floriano, porém, disse-lhe com calma:
– Meu camarada, prudência. Vamos com
paciência, isto tudo está minado!
Nessa ocasião o visconde de Ouro
Preto chamou o marechal Floriano e perguntou por que não se começava o fogo
contra as forças de Deodoro, e Floriano observou que Deodoro tinha artilharia
em cinco minutos destruiria o Quartel General. Respondeu Ouro Preto,
sobranceiro e altivo:
– No Paraguai, tomava-se a
artilharia: só se aquela não puder ser tomada por estar sendo comandada por um
general valente...
Floriano
compreendeu a ironia e respondeu:
– Não! Não é
por isso. No Paraguai eram inimigos. E ali são brasileiros.
Ouro Preto
objetou então:
– Nesse caso, mande abrir o portão do
Quartel general e faça entrar Deodoro, que quero entregar-lhe o poder.
E assim se fez a República, sem
sangue, devido ao concurso inestimável de Floriano Peixoto.
(Correio do Povo de 1916)
*Serzedelo Correia (1858-1932),
foi ministro de diversas pastas no governo de Floriano Peixoto. Foi também
deputado federal, governador do Paraná e prefeito do Distrito Federal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário