domingo, 10 de abril de 2016

Floriano e a Proclamação da República

Reminiscências históricas do Dr. Serzedelo Correia*


Floriano Peixoto em 1881

Em sua vida modesta e retraída, durante o império, Floriano Peixoto era um cidadão apaixonadamente republicano. Prova-o o fato de Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca o convidaram para o movimento de 15 de novembro e ele só ter aderido depois de Benjamin francamente lhe declarar que iríamos até a proclamação da República e prova-o ainda o seguinte fato passado comigo:

Era eu capitão de engenheiros e ele ajudante general do governo liberal que acabava de subir.

S.M. o imperador havia demitido o Ministério conservador, dissolvido a Câmara e encarregado o visconde de Ouro Preto de organizar o governo. No dia da apresentação do Ministério às Câmaras, houve uma sessão muito tumultuosa. Perante as galerias e o recinto da Câmara apinhadas de povo, o padre João Manoel pronunciou uma vibrante e eloquente objurgatoria contra a regime, terminando por um “Viva à República e abaixo a Monarquia!”.

As galerias prorromperam em aplausos e gritos de “Viva a República!”.

Eu, que estava no recinto, fardado, era dos quais mais gritavam – “Viva a República!” Nisso, senti, com força, puxarem-me a farda. Voltei-me; era o ajudante general do Exército, marechal Floriano. Julguei-me preso. Ele, porém. Risonho, disse-me ao ouvido:

– Capitão, com isso vai depressa!...

Estávamos em 15 de novembro.

Marchavam as tropas revolucionárias para o Campo de Santana, comandados pelo major Sólon e Benjamin. Vínhamos pelo Mangue, Benjamin no centro, Pedro Paulino, irmão de Deodoro, à paisana, à esquerda, e eu à frente de dois pelotões da Escola Superior de Guerra, em infantaria. Não vendo Deodoro, e receando um combate ao entrarmos no campo, interpelei Benjamin sobre quem comandava a nossa força. Benjamin respondeu-me: Deodoro vem aí; mas se não vier, dê-me a sua palavra de honra que não dirá nada a ninguém! Se Deodoro não vier, comandará esta força o Floriano.
Chegamos ao Campo, e à voz de Deodoro, que veio ao nosso encontro no Mangue, estendemos a força em linha de combate, em frente ao Quartel General.

Nesse tempo, Floriano, ao lado do Ministério, manobrava com extraordinária habilidade. Nomeava o general Barreto – que sabia bem ser dos nossos – comandante da Polícia e do Corpo de Bombeiros, para nos receber no Campo de Santana; Barreto, porém, aderiu a Deodoro.

Floriano nomeou, então, o barão do Rio Apa, irmão do ministro da Guerra, monarquista confesso, para comandar três corpos de infantaria que eram fiéis ao governo, com exceção da primeira companhia de guerra do 7°, comandada pelo capitão Ferraz, que era dos nossos. Rio Apa armou-se, desceu para assumir o comando e, dirigindo-se à primeira companhia de guerra do 7°, disse:

– Primeira companhia de guerra! Ombro armas!

O capitão Ferraz saltou à frente da companhia e disse:

– General, quem manda nessa força sou eu! Primeira companhia de guerra, descansar armas!

E os soldados obedeceram.

Rio Apa, assombrado, foi fazer queixa a Floriano para prender o oficial. Floriano, porém, disse-lhe com calma:

– Meu camarada, prudência. Vamos com paciência, isto tudo está minado!

Nessa ocasião o visconde de Ouro Preto chamou o marechal Floriano e perguntou por que não se começava o fogo contra as forças de Deodoro, e Floriano observou que Deodoro tinha artilharia em cinco minutos destruiria o Quartel General. Respondeu Ouro Preto, sobranceiro e altivo:

– No Paraguai, tomava-se a artilharia: só se aquela não puder ser tomada por estar sendo comandada por um general valente...

Floriano compreendeu a ironia e respondeu:

– Não! Não é por isso. No Paraguai eram inimigos. E ali são brasileiros.

Ouro Preto objetou então:

– Nesse caso, mande abrir o portão do Quartel general e faça entrar Deodoro, que quero entregar-lhe o poder.

E assim se fez a República, sem sangue, devido ao concurso inestimável de Floriano Peixoto.

(Correio do Povo de 1916)


*Serzedelo Correia (1858-1932), foi ministro de diversas pastas no governo de Floriano Peixoto. Foi também deputado federal, governador do Paraná e prefeito do Distrito Federal.

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