segunda-feira, 11 de abril de 2016

O Pasquim: quarenta lances

Gregório Macedo


01. 1968: morre Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Com ele, “A Carapuça”. Dezembro 1968: AI-5. Junho 1969: O PASQUIM. Por que O Pasquim? Jaguar: “Já que vão esculhambar o jornal, vamos esculhambá-lo desde logo.” (algo assim). Tarso de Castro, Jaguar, Ziraldo, Millôr Fernandes, Carlos Leonam, Prósperi, Claudius, Fortuna, Sérgio Cabral, Sérgio Augusto, Ivan Lessa, Paulo Francis, Fausto Wolff. Uns desde o começo, outros logo após. Millôr alerta: “Se durar muito é porque algo deu errado.” (por aí).

02. Número 1. Entrevistado: Ibrahim Sued. Chegou a hora fatal. Cadê a entrevista? Jaguar transcreve direto, na lata, no 'formato original'. Resultado: impacto duca! Descontração plena. Firmou jurisprudência.

03. Jaguar desenhava a tira “Chopnics”, com sacadas de Ivan Lessa. Um ratinho arguto chamado Sigmund Freud analisava a situação da atriz Odete Lara, presa de uma fossa sem fim. O ratinho toma corpo e é promovido a SIG, mascote do O Pasquim e, meses depois, a queridão da Banda de Ipanema.

04. Leila Diniz chega arrebentando convenções em entrevista antológica. Deslumbrante e revolucionária. Toda semana, uma baita entrevista. Nunca mais uma como a de Leila, qual Gilda. O Pasquim estraçalha. Tiragem: 200.000 exemplares.

05. Ziraldo, Jaguar, Millôr, Henfil, Guidacci, Redi, Laerte, Miguel Paiva, Angeli, Luscar, Coentro, Duayer, Nilson, Nani, Edgar Vasques, Lailson, Santiago, Mariano, Solda, Cláudio Paiva, Hubert, Alcy, Biratan, Mariza, Paulo e Chico Caruso, Wolinsky, Bosc, Crumb, Quino, Steinberg. O desenho de humor passou a reinar solto na floresta de metáforas Brasil.

06. No auge da censura, o estoque de charges e cartuns era gigantesco, visto que cada desenho “xisado” tinha de ser substituído no ato.

07. Edélsio Tavares (Ivan Lessa), “vinte anos de jornalismo”, era o irascível respondedor das cartas dos leitores. Quanto mais Tavares batia, mais os leitores se refestelavam.

08. Na seção de cartas (página 2), no canto inferior direito pontificava o box dos picles, onde brilharam Neil de Castro e outros. (Dei uns pitacos por lá).

09. Paulo Francis deslindou Watergate. Teatro, literatura, política internacional, Francis navegava a braçadas.

10. Henfil, o filho de dona Maria, lançou O Pasquim às feras, digo, aos fradins Cumprido e Baixim, acompanhados por Graúna, Bode Orellana e, mais tarde, Ubaldo, o Paranóico.

11. Ivan Lessa, bamba do texto, lançou o “Gip Gip Nheco Nheco”, picles ferinos (óbvio!) ilustrados por Jaguar (e Caulos e Redi?). Já Hélio e Jacy eram duas minúsculas aranhas que pululavam pelo O Pasquim a debater questões metafísicas (tipo 'você é que é a marcha dos que não foram?'; 'não, eu sou o amargo regresso'). Acho que Hélio e Jacy eram crias da dupla terrível, mas posso estar enganado.

12. A Música Popular Brasileira recebeu o afeto de Sérgio Cabral e, depois, de Tárik de Sousa e Roberto Moura.

13. Luiz Carlos Maciel editava a seção Underground, onde, por um breve tempo, abrigaram-se alguns dos poetas de 'Flores do Mal', lendária revista de que participou o piauiense Torquato Neto, editor de cultura do jornal Última Hora. A contracultura de McLuhan dominava o Underground.

 14. Nas “dicas”, pintava de tudo. Duas ou mais páginas. Ziraldo, loquaz ao extremo, lançou as “dicas fatiadas”. Exemplo: viagem com a família (I), viagem... (II), viagem... (III). E lá seguia o querido Zira a relatar peripécias da gurizada pelo interior de Minas (acho que numa Brasília). E a gente lia tudo na maior avidez. O maior barato. Só a turma do Pererê e a Supermãe para acompanhar Ziraldo, o Menino Maluquinho. Mas não era só relato de viagem que comparecia nas dicas. Era tudo: livro, disco, filme, recado, lembrete, o escambau (epa!).

15. Na “gripe” da turma d'O Pasquim (foram em cana por fazer Dom Pedro I gritar, às margens do riacho Ipiranga, “EU QUERO MOCOTÓ”, consta que tiveram de substituir oficiais e soldados, em face de cooptação. A turma se inspirava, quem sabe, numa certa canção que pregava “eu quero ter um milhão de amigos” (perdão, leitores! - ei, eu falei “perdão”... só pra fazer galhofa; na verdade, sempre fui fã do Roberto - veja lance 18, abaixo).

16. Caetano, Chico Buarque, Gil, Glauber colaboraram com O Pasquim, na onda de “gripe” e fora dela.

17. Henfil jogou um tamanduá no picadeiro e o fez sugar o cérebro de um monte de celebridades. O Cabôco Mamadô não perdoou Simonal e, meu Deus!, Elis Regina.

18. A turma d'O Pasquim entrevistou Roberto Carlos e tratou o Rei com deferência e bom humor. Tarso de Castro era o mais animado. Roberto se soltou. A certa altura (todos já altos), Tarso perguntou: “E as fãs mais fanáticas, *meu?”; ao que Roberto: “*mi, sim!” (O Pasquim alçou o asterisco ao estrelato).

*comeu - * comi

19. Ivan Lessa, garoto da fuzarca, foi pro Reino Unido, trabalhar na BBC. Lástima. Reduziu drasticamente a produção pasquiniana; mesmo assim nos brindava com ácidas crônicas. (Consta que dona Elsie mandava regularmente pro filho doce de goiaba e fitas cassete com feras da MPB, inclusive boleros de Carlos Alberto...).

20. “A última sessão de cinema” (ou “Matou a família e foi ao cinema”, ou “Doutor fantástico”) ganhou texto notável de Sérgio Augusto. O cinema sempre mereceu o esmero d'O Pasquim.

21. Paulo Francis foi ser correspondente da Folha nos Estados Unidos, de onde nos mandava o “Diário da Corte”. (Eu ia juntando e fazia um calhamaço de diários; lia tudo nas férias e feriadões).

22. Tempos depois, Francis começou a baixar a ripa nos nordestinos. Racismo e preconceito. Restou provado: nadie es perfecto.

23. Duas ruas do Rio que abrigaram a redação d'O Pasquim: rua da Carioca e rua Clarice Índio do Brasil (parece que houve um questionamento: o nome não seria Clarice, mas Clarisse).

24. Dona Nelma Quadros era a timoneira. Administradora, confidente e conselheira. Segurou o tranco por longos anos, até que jogou a toalha. Nada risível, só chorável - notadamente sua morte, anos depois, por tétano.

25. Newton Carlos comparecia toda semana com análises sobre veias abertas da América Latina, estivesse onde estivesse a América Latina. Mostrava onde a coruja dormia e era explorada. Arthur José Poerner era outro fera.

26. A caricatura, desde o início, chegou aos píncaros da glória com Cássio Loredano, Elifas Andreato, Luis Trimano, Grillo e os irmãos Caruso. Pairando sobre todos, o grande Nássara.

27. Fortuna ocupava espaços de fino humor, como o de “Madame e seu bicho muito louco”.

28. O Pasquim: na escrita, a CODECRI, editora. Publicou um bocado de coisas preciosas. Segundo Henfil, CODECRI significava Comitê de Defesa do Crioléu. O Pasquim: no som, o Som do Pasquim. Sabe quem foi lançado nacionalmente, em grande estilo? João Bosco!

29. Natanael Jebão (Fausto Wolff), colunista social truculento (porém cordial), desafinava o coro das elites com um deboche para lá de sofisticado. (Fausto, escritor de primeira, foi por um bom período editor d'O Pasquim).

30. Redi, cartunista de traço personalíssimo, começou n'O Pasquim e foi brilhar no The New York Times.

31. Henfil, indignado com a derrota das Diretas e puto diante da animação da galera com as eleições indiretas (mesmo sendo o mineiro Tancredo o favorito), tascou o seguinte título a um desabafo de página inteira: “O povo é safado!”.

32. Nos números especiais de aniversário, éramos brindados com um Pasquim mais robusto, acompanhado de brindes especiais, como conto de Dalton Trevisan, o vampiro de Curitiba. Maravilha.

33. Algumas edições foram apreendidas. A de número 300 foi uma delas. Motivo: qualquer um, a depender do arbítrio do(s) censor(es).

34. Jaguar trouxe a lume Gastão, o Vomitador. (Aí, o vômito decorria de indignação; nada a ver com o famoso “intelectual não vai à praia, intelectual bebe”, cunhado por Roniquito - embora alguns atribuam a Hugo Bidê -, amigão de copo da turma d'O Pasquim).

35. Bancas de jornal foram explodidas, em face de venderem publicações da imprensa alternativa (O Pasquim, Opinião, Movimento, Ex-16, Versus...). Vendas abaladas.

36. Um dia, a censura foi extinta, e a imprensa alternativa perdeu força.

37. O Pasquim em crise, Ziraldo propõe mudar de tamanho tablóide para tamanho jornalão. Proposta aceita, para desagrado de uma gama de leitores, em especial os que colecionavam o jornal e planejavam encaderná-lo (meu caso). Meses depois, voltou o tabloide.

38. Reinaldo Figueiredo (Casseta e Planeta), exímio cartunista, há um bom tempo como editor d'O Pasquim, chega à conclusão de que não é Super Homem, tira o time e vai acontecer no Planeta Diário. Jaguar, último dos moicanos, tenta segurar.

39. O velho hebdomadário cambaleia por semanas.

40. 1991. Morre o O Pasquim. Morreu o O Pasquim?! Morreu pra vocês, ingratos, continua vivo em nossos corações!

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