Gregório
Macedo
01. 1968: morre Sérgio Porto, o
Stanislaw Ponte Preta. Com ele, “A Carapuça”. Dezembro 1968: AI-5. Junho 1969:
O PASQUIM. Por que O Pasquim? Jaguar: “Já
que vão esculhambar o jornal, vamos
esculhambá-lo desde logo.” (algo assim). Tarso de Castro, Jaguar, Ziraldo,
Millôr Fernandes, Carlos Leonam, Prósperi, Claudius, Fortuna, Sérgio Cabral,
Sérgio Augusto, Ivan Lessa, Paulo Francis, Fausto Wolff. Uns desde o começo, outros
logo após. Millôr alerta: “Se durar muito é porque algo deu errado.” (por
aí).
02. Número 1. Entrevistado: Ibrahim Sued. Chegou a hora fatal. Cadê a entrevista? Jaguar transcreve direto, na lata, no 'formato original'. Resultado: impacto duca! Descontração plena. Firmou jurisprudência.
03. Jaguar desenhava a tira
“Chopnics”, com sacadas de Ivan Lessa. Um ratinho arguto chamado Sigmund Freud
analisava a situação da atriz Odete Lara, presa de uma fossa sem fim. O ratinho
toma corpo e é promovido a SIG, mascote do O Pasquim e, meses depois, a
queridão da Banda de Ipanema.
04. Leila Diniz chega
arrebentando convenções em entrevista antológica. Deslumbrante e
revolucionária. Toda semana, uma baita entrevista. Nunca mais uma como a de
Leila, qual Gilda. O Pasquim estraçalha. Tiragem: 200.000 exemplares.
05. Ziraldo, Jaguar, Millôr,
Henfil, Guidacci, Redi, Laerte, Miguel Paiva, Angeli, Luscar, Coentro, Duayer,
Nilson, Nani, Edgar Vasques, Lailson, Santiago, Mariano, Solda, Cláudio Paiva,
Hubert, Alcy, Biratan, Mariza, Paulo e Chico Caruso, Wolinsky, Bosc, Crumb, Quino,
Steinberg. O desenho de humor passou a reinar solto na floresta de metáforas
Brasil.
06. No auge da censura, o estoque
de charges e cartuns era gigantesco, visto que cada desenho “xisado” tinha de
ser substituído no ato.
07. Edélsio Tavares (Ivan Lessa), “vinte anos de jornalismo”, era o irascível respondedor das cartas dos leitores. Quanto mais Tavares batia, mais os leitores se refestelavam.
08. Na seção de cartas (página
2), no canto inferior direito pontificava o box dos picles, onde brilharam Neil
de Castro e outros. (Dei uns pitacos por lá).
09. Paulo Francis deslindou Watergate. Teatro, literatura, política internacional, Francis navegava a braçadas.
10. Henfil, o filho de dona
Maria, lançou O Pasquim às feras, digo, aos fradins Cumprido e Baixim,
acompanhados por Graúna, Bode Orellana e, mais tarde, Ubaldo, o Paranóico.
11. Ivan Lessa, bamba do texto,
lançou o “Gip Gip Nheco Nheco”, picles ferinos (óbvio!) ilustrados por Jaguar
(e Caulos e Redi?). Já Hélio e Jacy eram duas minúsculas aranhas que pululavam
pelo O Pasquim a debater questões metafísicas (tipo 'você é que é a marcha dos
que não foram?'; 'não, eu sou o amargo regresso'). Acho que Hélio e Jacy eram
crias da dupla terrível, mas posso estar enganado.
13. Luiz Carlos Maciel editava a
seção Underground, onde, por um breve tempo, abrigaram-se alguns dos poetas de 'Flores
do Mal', lendária revista de que participou o piauiense Torquato Neto, editor
de cultura do jornal Última Hora. A contracultura de McLuhan dominava o Underground.
14. Nas “dicas”, pintava de tudo. Duas ou mais
páginas. Ziraldo, loquaz ao extremo, lançou as “dicas fatiadas”. Exemplo:
viagem com a família (I), viagem... (II), viagem... (III). E lá seguia o
querido Zira a relatar peripécias da gurizada pelo interior de Minas (acho que
numa Brasília). E a gente lia tudo na maior avidez. O maior barato. Só a turma
do Pererê e a Supermãe para acompanhar Ziraldo, o Menino Maluquinho. Mas não
era só relato de viagem que comparecia nas dicas. Era tudo: livro, disco,
filme, recado, lembrete, o escambau (epa!).
15. Na “gripe” da turma d'O
Pasquim (foram em cana por fazer Dom Pedro I gritar, às margens do riacho
Ipiranga, “EU QUERO MOCOTÓ”, consta que tiveram de substituir oficiais e
soldados, em face de cooptação. A turma se inspirava, quem sabe, numa certa
canção que pregava “eu quero ter um milhão de amigos” (perdão, leitores! - ei,
eu falei “perdão”... só pra fazer galhofa; na verdade, sempre fui fã do Roberto
- veja lance 18, abaixo).
16. Caetano, Chico Buarque, Gil,
Glauber colaboraram com O Pasquim, na onda de “gripe” e fora dela.
17. Henfil jogou um tamanduá no
picadeiro e o fez sugar o cérebro de um monte de celebridades. O Cabôco Mamadô
não perdoou Simonal e, meu Deus!, Elis Regina.
*comeu - * comi
19. Ivan Lessa, garoto da
fuzarca, foi pro Reino Unido, trabalhar na BBC. Lástima. Reduziu drasticamente
a produção pasquiniana; mesmo assim nos brindava com ácidas crônicas. (Consta
que dona Elsie mandava regularmente pro filho doce de goiaba e fitas cassete
com feras da MPB, inclusive boleros de Carlos Alberto...).
20. “A última sessão de cinema”
(ou “Matou a família e foi ao cinema”, ou “Doutor fantástico”) ganhou texto
notável de Sérgio Augusto. O cinema sempre mereceu o esmero d'O Pasquim.
21. Paulo Francis foi ser correspondente
da Folha nos Estados Unidos, de onde nos mandava o “Diário da Corte”. (Eu ia
juntando e fazia um calhamaço de diários; lia tudo nas férias e feriadões).
22. Tempos depois, Francis
começou a baixar a ripa nos nordestinos. Racismo e preconceito. Restou provado:
nadie es perfecto.
23. Duas ruas do Rio que
abrigaram a redação d'O Pasquim: rua da Carioca e rua Clarice Índio do Brasil
(parece que houve um questionamento: o nome não seria Clarice, mas Clarisse).
24. Dona Nelma Quadros era a
timoneira. Administradora, confidente e conselheira. Segurou o tranco por
longos anos, até que jogou a toalha. Nada risível, só chorável - notadamente
sua morte, anos depois, por tétano.
25. Newton Carlos comparecia toda
semana com análises sobre veias abertas da América Latina, estivesse onde
estivesse a América Latina. Mostrava onde a coruja dormia e era explorada.
Arthur José Poerner era outro fera.
27. Fortuna ocupava espaços de fino humor, como o de “Madame
e seu bicho muito louco”.
28. O Pasquim: na escrita, a CODECRI,
editora. Publicou um bocado de coisas preciosas. Segundo Henfil, CODECRI significava
Comitê de Defesa do Crioléu. O Pasquim: no som, o Som do Pasquim. Sabe quem foi
lançado nacionalmente, em grande estilo? João Bosco!
29. Natanael Jebão (Fausto
Wolff), colunista social truculento (porém cordial), desafinava o coro das
elites com um deboche para lá de sofisticado. (Fausto, escritor de primeira,
foi por um bom período editor d'O Pasquim).
30. Redi, cartunista de traço
personalíssimo, começou n'O Pasquim e foi brilhar no The New York Times.
31. Henfil, indignado com a
derrota das Diretas e puto diante da animação da galera com as eleições
indiretas (mesmo sendo o mineiro Tancredo o favorito), tascou o seguinte título
a um desabafo de página inteira: “O povo é safado!”.
32. Nos números especiais de
aniversário, éramos brindados com um Pasquim mais robusto, acompanhado de
brindes especiais, como conto de Dalton Trevisan, o vampiro de Curitiba.
Maravilha.
33. Algumas edições foram
apreendidas. A de número 300 foi uma delas. Motivo: qualquer um, a depender do
arbítrio do(s) censor(es).
34. Jaguar trouxe a lume Gastão,
o Vomitador. (Aí, o vômito decorria de indignação; nada a ver com o famoso “intelectual
não vai à praia, intelectual bebe”, cunhado por Roniquito - embora alguns
atribuam a Hugo Bidê -, amigão de copo da turma d'O Pasquim).
35. Bancas de jornal foram explodidas, em face de venderem
publicações da imprensa alternativa (O Pasquim, Opinião, Movimento, Ex-16,
Versus...). Vendas abaladas.
36. Um dia, a censura foi extinta, e a imprensa alternativa
perdeu força.
37. O Pasquim em crise, Ziraldo
propõe mudar de tamanho tablóide para tamanho jornalão. Proposta aceita, para
desagrado de uma gama de leitores, em especial os que colecionavam o jornal e
planejavam encaderná-lo (meu caso). Meses depois, voltou o tabloide.
38. Reinaldo Figueiredo (Casseta
e Planeta), exímio cartunista, há um bom tempo como editor d'O Pasquim, chega à
conclusão de que não é Super Homem, tira o time e vai acontecer no Planeta
Diário. Jaguar, último dos moicanos, tenta segurar.
39. O velho hebdomadário cambaleia por semanas.
40. 1991. Morre o O Pasquim. Morreu
o O Pasquim?! Morreu pra vocês, ingratos, continua vivo em nossos corações!
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