sexta-feira, 22 de abril de 2016

O pássaro, o relógio e o espelho

Catulo da Paixão Cearense

Um pássaro engaiolado,
mestre de canto e harmonia,
disse a um relógio cansado
de tanto dar meio-dia:

– Relógio, isto não tem jeito!
Até parece chalaça!
Eu canto sem ter proveito
e tu trabalhas de graça!

Queres ouvir um conselho?
Vê lá se é do teu agrado:
Tu te conservas parado,
eu fecho a minha garganta,
fazendo como esse espelho,
que não dá horas nem canta!
Eu já estou desencantado
de cantar sem resultado.

*****


E disse o relógio: – Amigo,
o mesmo se dá comigo.
Mas o espelho disse: – Não!
Nenhum dos dois tem razão.

Nenhum pássaro gorjeia,
sem ter a barriga cheia.
Nenhum relógio tem vida
sem o sustento da corda,
que a corda é a sua comida.

*****


Eu vivo neste abandono,
sem dar despesa ao meu dono.
Sem comer corda ou alpista,
Trabalho, e, nesta canseira,
estou sempre retratando,
pois, quer queira, quer não queira,
tenho de ser retratista!

E, desde que fui criado
e comecei a espelhar,
nunca vi um retratado,
que em mim se vindo mirar,
dissesse: – Muito obrigado
que é modo civilizado
de se pagar, sem pagar.

*****



4 comentários:

  1. Obrigada pela postagem deste poema que é pra mim quase uma epifania. Uma das minhas memórias afetivas mais antigas.

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  2. Meu pai, quando eu era criança, ficava à noite, à mesa depois do jantar, me ensinando este conto. Há
    43 anos aprendi. E sei até hoje de cor. De cor... ação. Muito obrigada por essa postagem

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  3. Estudei essa poesia com uma professora há 60 anos! Sei de cor até hoje! Muito bom revê-la.

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  4. Estudei essa poesia no ano de 1970 gosto muito nunca esqueci

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