Certo mancebo, cuja infância
venturosa fora o mimo dos pais, perdendo-os, achou-se só no mundo, sem amparo
nem conselho, tendo, por haveres, as terras férteis dum sítio onde havia um
paiol abarrotado de milho.
Julgando que nunca se esgotaria
tamanha provisão deixou-se ficar em casa, a comer e a dormir, vendendo, a quem
o buscava, o milho que herdara.
As terras abandonadas foram perdendo
o viço e o mato, crescendo vigoroso, em pouco sufocou as sementeiras.
Uma manhã, ainda nos dias fartos,
estava o soberbo e preguiçoso herdeiro a balançar-se na rede, quando um pobre
homem passou pedindo esmola.
Era um desgraçado que habitava na
vizinhança, tendo apenas uma choça e alguns palmos de terra.
O herdeiro, ouvindo a voz do pobre,
longe de compadecer-se, sorriu e, por esmola, atirou-lhe, com desprezo, três
grãos de milho.
Foi-se o
pobre sem dizer palavra e o preguiçoso ficou-se a rir balançando-se na rede.
Correram tempos. Já o mato bravo
chegava à casa e o rapaz, fiado sempre no paiol de milho, vivia
descuidadamente, quando, recorrendo ao celeiro, achou-o vazio porque toda a
provisão havia passado às mãos dos compradores.
Só então, compreendendo a sua miséria
e sem ânimo de atirar-se ao trabalho, descorçoado, pôs-se a lamentar-se e
chorava, quando viu chegar, em formoso cavalo, um homem forte e bem posto, que
ao dar com ele em tão miserável condição, deteve o animal e perguntou:
– Que tendes? Por que assim vos
lamentais?
– Morro à míngua! Soluçou o infeliz.
Tinha um sítio fértil e as ervas más tomaram-no. Tinha um paiol abarrotado de
milho e esgotou-se. Nada mais possuo.
– A culpa é vossa, disse o
cavalheiro. Julgando que nunca acabaria a herança que tivestes de vossos pais,
abandonastes a terra que, dantes, não negava frutos. Se vos não sentis com
ânimo para cuidar do sítio, vendei-mo. A mim darão bom prêmio as terras que
dizeis estéreis e, como pegam com o meu sítio, faz-me conta comprá-las para
dilatar a minha lavoura. Entremos em ajuste.
E
combinaram.
Justamente no dia em que o rapaz
recebia do homem o preço estipulado, perguntou-lhe o comprador:
– Sabeis com que dinheiro vos pago?
Com o que me deram os três grãos de milho que, desprezivelmente, me atirastes.
Levei-os comigo e, como não tinha ferramenta, com as próprias mãos fiz uma cova
na terra e a terra devolveu-me o depósito muitas vezes dobrado. Plantando os
grãos que vieram, consegui um canteiro, deu-me o canteiro uma roça, deu-me a
roça um campo e fui sempre trocando os lucros por novos benefícios: primeiro em
sementes, depois em gado, depois em máquinas e hoje, com eles, adquiro as
terras de onde saiu o capital modesto com que comecei a grangear fortuna.
Vede agora o que fiz com três grãos
de milho e perseverança no trabalho e comparai com o que vos acontece, não
obstante haverdes possuído terras vastas e um grande paiol atestado de cereal. Não
soubestes aproveitar os bens que herdastes e, mais uma vez, com a vossa
desgraça, fica confirmado que a fortuna, seja embora incontável, cede à miséria
quando é mal dirigida.
O ouro foge
por entre os dedos como a água e a terra é um cofre seguro e maravilhoso que
restitui centuplicado o benefício que se lhe faz.
Sem mais
dizer – e dissera o bastante – o lavrador deu as rédeas ao cavalo e foi-se.
Coelho Neto*
*Henrique Maximiano Coelho Neto (Caxias, 21 de fevereiro de 1864 – Rio
de Janeiro, 28 de novembro de 1934) foi um escritor (cronista,
folclorista, romancista, crítico e teatrólogo), político e professor brasileiro,
membro da Academia Brasileira de Letras onde foi o fundador da
Cadeira número 2. Foi considerado o "Príncipe dos Prosadores Brasileiros",
numa votação realizada em 1928 pela revista O Malho.
Excelente conto! Gratidão 🙏🏼
ResponderExcluirValeu, Dandinha!
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