domingo, 3 de abril de 2016

Ronda

(samba-canção, de Paulo Vanzolini*)
          
Paulo Vanzolini, num bar da avenida São João

Se alguém realizasse um concurso para eleger a canção mais executada nos bares noturnos de São Paulo, a vencedora seria muito certamente “Ronda”, do biólogo-compositor Paulo Vanzolini, cuja obra gravada não chega a cinquenta músicas. “Ronda” traduz na letra e na melodia o que há de mais comovedor para a alma do boêmio, com a história da mulher – naturalmente, também frequentadora da noite – que, “com perfeita paciência”, segue em busca do amante, ainda que na convicção de um dia encontrá-lo “bebendo com outras mulheres, rolando um dadinho, jogando bilhar...” “E nesse dia então”, promete a personagem, “vai dar na primeira edição: cena de sangue num bar da avenida São João”. Sem dúvida, este samba-canção é uma obra-prima condensada em poucos versos, sob a forma de uma narrativa cinematográfica. Inspirada e composta na época em que o autor, ainda jovem, servia ao Exército e costumava arrebanhar soldados bêbados em bares e prostíbulos, teve a sua primeira gravação em agosto de 53, no Rio, com a cantora Inezita Barroso, em disco RCA cujo lado A trazia a moda “Marvada Pinga”. O problema era que não tinha sido escolhida uma música para o lado B. Então, como Paulo Vanzolini e sua mulher estavam no estúdio, acompanhando Inezita, foi sugerido que se incluísse uma composição de sua autoria, pois não havia tempo a perder. Assim, de forma improvisada, “Ronda” foi gravada, com a cantora sendo apoiada por um grupo de músicos de primeira, entre os quais Garoto, Zé Menezes, Bola Sete, Chiquinho do Acordeom e Abel Ferreira, tendo este inventado uma introdução na hora. Entretanto, o disco não despertou o menor interesse e “Ronda” permaneceu desconhecida, menos pelos boêmios, companheiros de noitada do autor. Quatorze anos depois, ao realizar o disco-brinde Onze sambas e uma capoeira, apenas com canções de Vanzolini, o produtor Marcus Pereira escolheu “Ronda” para uma das faixas, entregando-a a Cláudia Morena. Isso marcou o começo de sua escalada para o sucesso consagrador, atingido pela calorosa versão da cantora Márcia, e de outras também expressivas gravações como as de Carmen Costa, Ângela Maria, Nora Ney e Maria Bethânia. Precedida pela clássica introdução que reproduz seus compassos finais, “Ronda” tem a virtude de conquistar o ouvinte logo a partir das notas iniciais, o que se deve ao charme produzido pela descida de meio em meio tom, nas notas mi, mi bemol e ré, que recaem sobre as sílabas “da”, de “ci-da-de, no primeiro verso, “rar” e “trar” das palavras pro-cu-rar e “en-con-trar”, no segundo, respectivamente harmonizadas com acordes em lá menor com sétima, dó menor com lá no baixo e ré com sétima. Em 1978, Caetano Veloso utilizou a melodia de sua frase final para arrematar a sua canção “Sampa”. Pertencente à casta dos bons compositores que não sabem tocar instrumento algum, Paulo Vanzoloni não se envergonha de confessar que não consegue distinguir a diferença entre os modos maior e menor da música.

(Do livro “A Canção no Tempo”,
de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello)

Ronda

Letra e Música Paulo Vanzolini

(Mulher da noite, de bar em bar, faz ronda procurando o amante...)


 (Desenho de Crumb)

De noite, eu rondo a cidade
A lhe procurar sem encontrar.
No meio de olhares espio, nas mesas dos bares,
Você não está.
Volto pra casa abatida,
Desenganada da vida,
No sonho eu vou descansar
Nele você está.

Ai se eu tivesse quem bem me quisesse,
Esse alguém me diria:
Desiste, essa busca é inútil,
Eu não desistia.
Porém com perfeita paciência,
Sigo a procurar,
Hei de encontrar.
Bebendo com outras mulheres,
Rolando umdadinho,
Jogando bilhar.
E nesse dia, então,
Vai dar na primeira edição:
“Cena de sangue num bar da avenida São João”.


*Paulo Emílio Vanzolini (São Paulo, 25 de abril de 1924 – São Paulo, 28 de abril de 2013) foi um zoólogo e compositor brasileiro, autor de famosas canções como “Ronda”, “Volta por Cima” e “Na Boca da Noite”.

Foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ativo colaborador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo que, com seu trabalho, aumentou a coleção de répteis de cerca de 1,2 mil para 230 mil exemplares.

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