segunda-feira, 11 de abril de 2016

Um conto de Dalton Trevisan

Um anjo no inferno


Pai, eu que esperava um bom casamento, aqui só tenho tristeza, saí do céu e entrei no inferno. O João é por demais sovina, trabalha de manhã à noite. Domingo só fico em casa, é a mesma coisa que um ranchinho, nem forro tem. Broinha de fubá mimoso nunca mais que eu comi, é só virado bem cedo e ir para a roça.

Sabe, pai, minha vida é só lágrimas. De joelhos eu peço que o pai me acuda nesta agonia, até dá vergonha uma filha sua estar num rancho, tem um fogão que é só fumaça. Muito eu me arrependo de ter casado, de tão triste espero a morte.

Fui tão iludida, a casa é do cunhado José mais o rancho e vaquinha, sou então uma agregada? Pai, pelo amor de Deus, salve a pobre de mim. Que a mãe arrume as mãos para o céu de ter um marido como o pai. Não posso nem lavar roupa, não tem cocho nem tanque, devo esfregar na bacia e ainda tirar água do poço de vinte metros, o balde é muito pesado.

Ai, pai, que desgosto eu sinto de ter casado. Sinto porque a mãe bem queria o primo André. Eu cai direitinho no inferno. No trabalho o João é um patrão, onde ele está a escrava tem de pegar juntinho na enxada, isso é vida?

Se é pecado não sei, eu sonho toda noite com o primo André. Paizinho, o João quer ficar aqui, mas o José está devendo e não paga. Birrento o João deu aqui e parou nesta vargem. Bomba de quem casa tão mocinha. O primo André ainda pergunta por mim?

Uma caneca de asa quebrada, fui esquecida no canto. Carece que o pai receba a triste de sua filha. Estou demais aflita. Meu pai, então eu devo andar limpando penico do José? Se fosse assim eu ficava no sítio, não tinha casado. Esta precisão não tenho. Ainda se fosse casa, mas um rancho pior que existe no mundo.

(Texto do O Pasquim, de março/abril de 1972)


 Dalton Jérson Trevisan (Curitiba, 14 de junho de 1925) é um escritor brasileiro, famoso por seus livros de contos, especialmente O Vampiro de Curitiba (1965), e por sua natureza reservada.




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