Que coisa é
o homem neste mundo?
R.: Comediante no tablado, hóspede na
estalagem, uma candeia exposta ao vento, padecente caminhando para o suplício.
R.: Que é a
língua humana?
Feira de
maldades; fera indomável; risco doméstico e contínuo.
R.: Que coisa é
a nossa lama?
Faísca do lume incriado; selo da
forma divina; pupilas espirituais para ver e admirar os espetáculos invisíveis
e ternos.
Que é o
mundo?
R.: Hospital de doidos; aparência e jogo de
títeres; casa cheia de fumo.
Que são as
honras e dignidades?
R.: Eça real:
por fora brasões e tela e luzes, por dentro ripas de pinho e lixo.
Que é a
nobreza?
R.: Riquezas já vem
de mais longe...
Que é o ouro
e prata?
R.: Atrativo das invejas; fadiga dos
néscios; defunto nobre no túmulo dos cofres; sangue do corpo da república que
anda em movimento circular; conselheiro; conselheiro de insolências...
Que é a formosura humana?
R.: Letra boa no sobrescrito, irrisão dos
anos; pecado em flor, que as mais das vezes vinga.
Padre Manuel
Bernardes
(Do livro “Luz e
Calor”)
Manuel Bernardes (1644-1710) foi um presbítero
da Congregação do Oratório de São Filipe
Neri, em cuja tranquilidade claustral se recolheu até o fim de seus dias.
Escreveu numerosas obras de
espiritualidade cristã, dentre as quais “Luz e Calor” (1696), “Nova Floresta” (5 Volumes,
1710, 1708, 1711, 1726, e 1728), “Pão Partido em
Pequeninos” (1694),
“Exercícios Espirituais” (1707), “Os Últimos Fins do Homem” (1726), “Armas da Castidade”
(1737), “Sermões
e Práticas” (2 Volumes, 1711),
e “Estímulo Prático para bem seguir o bem e fugir o mal” (1730). Seus escritos
caracterizam-se pela pureza da linguagem e pelo profundo misticismo. É um dos
maiores clássicos da prosa portuguesa.
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