segunda-feira, 16 de maio de 2016

A eloquência das perguntas e respostas


Que coisa é o homem neste mundo?

R.: Comediante no tablado, hóspede na estalagem, uma candeia exposta ao vento, padecente caminhando para o suplício.

R.: Que é a língua humana?

Feira de maldades; fera indomável; risco doméstico e contínuo.

R.: Que coisa é a nossa lama?

Faísca do lume incriado; selo da forma divina; pupilas espirituais para ver e admirar os espetáculos invisíveis e ternos.

Que é o mundo?

R.: Hospital de doidos; aparência e jogo de títeres; casa cheia de fumo.

Que são as honras e dignidades?

R.: Eça real: por fora brasões e tela e luzes, por dentro ripas de pinho e lixo.

Que é a nobreza?

R.: Riquezas já vem de mais longe...

Que é o ouro e prata?

R.: Atrativo das invejas; fadiga dos néscios; defunto nobre no túmulo dos cofres; sangue do corpo da república que anda em movimento circular; conselheiro; conselheiro de insolências...

Que é a formosura humana?

R.: Letra boa no sobrescrito, irrisão dos anos; pecado em flor, que as mais das vezes vinga.

Padre Manuel Bernardes

(Do livro “Luz e Calor”)


Manuel Bernardes (1644-1710) foi um presbítero da Congregação do Oratório de São Filipe Neri, em cuja tranquilidade claustral se recolheu até o fim de seus dias.

Escreveu numerosas obras de espiritualidade cristã, dentre as quais “Luz e Calor” (1696), “Nova Floresta” (5 Volumes, 1710, 1708, 1711, 1726, e 1728), “Pão Partido em Pequeninos” (1694), “Exercícios Espirituais” (1707), “Os Últimos Fins do Homem” (1726), “Armas da Castidade” (1737), “Sermões e Práticas” (2 Volumes, 1711), e “Estímulo Prático para bem seguir o bem e fugir o mal” (1730). Seus escritos caracterizam-se pela pureza da linguagem e pelo profundo misticismo. É um dos maiores clássicos da prosa portuguesa.

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