quinta-feira, 19 de maio de 2016

Histórias de Paraquedistas XIX

Salto Noturno


No dia 5 de abril de 1963, eu estava à janela do meu apartamento, em Marechal Hermes, por volta das 19 horas, quando ouvi o barulho dos motores do avião C-82 e, poucos segundos depois, avistei a aeronave que se dirigia para a ZL (Zona de Lançamentos) dos Afonsos; era mais um salto noturno.

Quanto a isso nada havia de extraordinário, porque esses saltos são comuns, pois quase que diariamente são realizados, e eu costumo a assisti-los, como disse, do meu apartamento. Acontece que nesse dia (5 de abril de 1963), havia algo diferente naquele ato, e eu sentia como que uma força estranha a chamar-me à atenção para o que se passava..., foi então que liguei os fatos; realmente, aquele salto não era de rotina, pois, algumas horas antes, o nosso saudoso companheiro Sargento Nicolau havia falecido, vítima de acidente de salto. Então eu compreendi o porquê daquele meu estado de espírito, e fui como que tomado por uma onda de emoção e dúvida. A dúvida que pairava no meu espírito naquele momento era saber por que aqueles bravos soldados do ar estariam saltando? – Seria em homenagem ao heróico Sgt. Nicolau* – que morrera horas antes lutando contra as forças (invencíveis) do destino, ou seria simplesmente de protesto e desprezo à traiçoeira morte, a qual havia ceifado a vida de um de seus companheiros? Confesso que naquele momento não consegui resposta a estas perguntas, e a dúvida continuou (e ainda continua) a martelar-me o cérebro...

Por que saltariam eles? Porém de uma coisa tive absoluta certeza; naquele momento tratava-se de uma luta titânica entre os arrojados paraquedistas e a maldita morte, e esta (a morte) fora fragorosamente derrotada e, como que acovardada e trêmula, numa correria louca, fugiu para bem longe, desaparecendo na imensidão da noite.

Vencera a mística dos paraquedistas!

Sgt Amacyl Pereira da Cunha, Pqdt 241, do 1950/3 – MS 248



Sgt Ly Adorno e Sgt Amacyl nos anos da década 1950.


Cap Ly Adorno e Cap Amacyl em 2010

*Sgt Nicolau Radiusz, Pqdt 3127, do 1957/3   MS 834 - faleceu em acidente de paraquedas em 5 de abril de 1963, na ZL do Campo dos Afonsos. Sofreu um "Mae West" no paraquedas principal, com rasgos em várias painéis. O reserva enrolou-se no principal não dando sustentação para uma aterragem segura.

Fatalidade

Sargento Jader do Monte Ferreira, pqdt 4907 – 1958/5

Era um dia festivo
da Unidade-Padrão.
Pairava no olhar altivo
de quem olhava o avião.
Um homem lutava...
Ao mesmo tempo em que a sorte
ao seu velame rasgava
lhe causando assim a morte.
Um companheiro sem igual.
Destemido, lutador e forte.
Um vibrador sem rival,
sem medo da morte...
Assim morreu Nicolau...
Vi sua luta pela vida.
Vi seu reserva, subindo, enrolando.
Mais tarde vi a ferida
da fatalidade nossa alma enlutando.
Deus Nosso Pai Eterno,
Tu que és o Rei da Terra,
Que nos livra do inferno
e dos maus que a vida encerra,
Livra-nos, também, da imperfeição,
sustentando ou inflando nossos paraquedas
ou amolecendo o chão.


Foto de "Mae West": principal enrolado
e reserva dando sustentação ao paraquedista.

Quando havia um acidente com morte de um paraquedista, no mesmo dia e a qualquer hora do dia, ou da noite, todos eram convocados para saltar, demonstrando, com isso, que não temiam a morte, que a morte não os venceriam. Pelo menos isso acontecia no meu tempo...

Nilo da Silva Moraes

(Do Almanaque Paraquedista, capa abaixo)



“Você pode ficar apenas um ano dentro da
Brigada de Infantaria Paraquedista,
mas a Brigada ficará por toda a vida dentro de você.”


Um comentário:

  1. Emocionante relato!
    O Paraquedista sem dúvida alguma é diferenciado,seja por um ano ou mais.

    Saudoso Sg.Ly Adorno.

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