Um dia na praia
O menino
tinha que descrever: Um dia na praia. Começou: “Era um belo dia de chuva.”
‒ Não pode,
disse o professor.
‒ Não pode
por quê?
‒ Porque
ninguém vai à praia num dia de chuva.
O menino não
se deu por achado:
‒ Não teima, professor. Vai sim. A
gente, quando saiu de casa, estava um sol bonito pra cachorro. Quando a gente
pisou na areia, caiu um temporal desgraçado.
‒ E como
você vai acabar essa descrição?
‒ “Aí nós
voltamos pra casa.”
O professor
ficou indignado:
‒ Ah, só,
não é? E o resto da descrição?
‒ Não tem.
‒ Mas não
tem como?
E o menino,
danado da vida:
‒ Ah, o senhor
queria que a gente ficasse na chuva para pegar um resfriado?
(Pedro Bloch)
O Padeiro
(...) Tomo meu café com pão dormido, que não é
tão ruim assim. E enquanto tomo meu café vou me lembrando de um homem modesto
que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele
apertava a campainha, mas para não incomodar os moradores, avisava gritando:
‒ Não é
ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo?
“Então você
não é ninguém!”
Ele abriu um sorriso largo. Explicou
que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha
de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir
uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o
atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o padeiro”. Assim
ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma,
e se despediu ainda sorrindo.
(Rubem Braga)
Bom, mas não muito.
A diligência, entre nuvens de poeira,
rolava aos trancos pela estrada. Alguns passageiros, de braços cruzados,
meditavam em
silêncio. Ouviam-se , de vez em quando, os gritos estridentes
do boleeiro... Na minha frente, dois camponeses conversavam. Um deles, que
parecia mais velho, falava desta sorte:
‒ Tenho
agora um magnífico pomar em minha casa.
‒ Isso é que
é bom! ‒ ajuntou o outro, com um sorriso de vulgar e lorpa amabilidade.
‒ Bom, mas não muito. ‒ respondeu o
velho. ‒ Pois tenho com o pomar um trabalho excessivo.
‒ Isso é que
foi mau!
‒ Mau, mas não muito. Graças ao novo
pomar, ganhei algum dinheiro e com esse primeiro lucro comprei um porco.
‒ Isso é que
é bom!
‒ Bom, mas não muito. O porco
fugiu-me de casa e foi para o quintal do vizinho, que se apoderou dele e
matou-o.
‒ Isso é que
foi mau!
‒ Mau, mas não muito. Dei queixa ao
juiz e o meu vizinho foi obrigado a me pagar uma boa indenização.
‒ Isso é que
foi bom!
‒ Bom, mas
não muito, pois o tal vizinho, em represália, soltou os cabritos no meu pomar.
‒ Isso é que
foi mau!
‒ Mau, mas
não muito. Matei os cabritos e vendi as peles na feira.
‒ Isso é que
foi bom!
‒ Bom, mas não muito...
Aquela conversa já começava a fazer-me
mal aos nervos. Resolvi descer da diligência, mesmo em movimento; fui, porém,
tão infeliz que tropecei numa pedra e caí.
‒ Isso é que foi mau! Dirá,
naturalmente, o leitor. Mau, mas não muito, pois só assim fiquei livre de
ouvir, durante algumas horas, uma história que parecia não ter mais fim.
‒ Isso é que
foi bom!
(Malba Tahan)
A carta de amor
No momento em que Malvina ia pôr a
frigideira no fogo, entrou a cozinheira com um envelope na mão. Isso bastou
para que ela se tornasse nervosa. Seu coração pôs-se a bater precipitadamente e
seu rosto se afogueou. Abriu-o com gesto decisivo e extraiu um papel verde-mar,
sobre o qual se liam, em caracteres enérgicos, masculinos, estas palavras:
“Você será amada…”.
Malvina empalideceu, apesar de já
conhecer o conteúdo dessa carta verde-mar, que recebia todos os dias, havia já
uma semana. Malvina estava apaixonada por um ente invisível, por um papel
verde-mar, por três palavras e três pontos de reticências. “Você será amada…”. Há
uma semana que vivia como ébria.
Olhava para a rua, e qualquer olhar
de homem que se cruzasse com o seu, lhe fazia palpitar tumultuosamente o
coração. Se o telefone tilintava, seu pensamento corria célere: talvez fosse
“ele”. Se não conhecesse a causa desse transtorno, por certo Malvina já teria
ido consultar um médico de doenças nervosas. Mandara examinar por um grafólogo
a letra dessa carta. Fora em todas as papelarias à procura desse papel
verde-mar e, inconscientemente, fora até ao correio ver se descobria o
remetente no ato de atirar o envelope na caixa.
Tudo em vão. Quem escrevia,
conseguia manter-se incógnito. Malvina teria feito tudo quanto ele quisesse.
Nenhum empecilho para com o desconhecido. Mas para que ela pudesse realizar o
seu sonho, era preciso que ele se tornasse homem de carne e osso. Malvina
imaginava-o alto, moreno, com grandes olhos negros, forte e espadaúdo!
O seu cérebro trabalhava: seria ele
casado? Não, não o era. Seria pobre? Não podia ser. Seria um grande industrial?
Quem sabe?
As cartas de amor, verde-mar, haviam
surgido na vida de Malvina como o dilúvio, transtornando-lhe o cérebro.
Afinal, no décimo dia, chegou a
explicação do enigma. Foi uma coisa tão dramática, tão original, tão crível,
que Malvina não teve nem um ataque de histerismo, nem uma crise de cólera.
Ficou apenas petrificada.
“Você será amada… se usar, pela
manhã, o creme de beleza Lua Cheia.
O creme Lua Cheia é vendido em todas
as farmácias e drogarias. Ninguém resistirá a você, se usar o creme Lua Cheia.”
Era o que
continha o papel verde-mar, escrito em enérgicos caracteres masculinos.
Ao voltar a
si, Malvina arrastou-se até ao telefone:
– Alô! É Jorge quem está falando? Já
pensei e resolvi casar-me com você. Sim, Jorge, amo-o! Ora, que pergunta! Pode
vir.
A voz de
Jorge estava rouca de felicidade!
E nunca
soube a que devia tanta sorte!
(André Sinoldi)
Continue postando mais textos. Amei!!!
ResponderExcluirO último texto colocado neste almanaque foi o de número 4000, com os mais variados assuntos. Quem bom que tenhas amado, fico muito feliz. (Nilo Moraes)
ResponderExcluirEu não entendi esses textos,não fazem nenhum sentido. Obrigado
ResponderExcluirEsses textos foram lidos, até hoje, dia 13.03.2019, por 3.696 pessoas. Todos entenderam muito bem. Que pena que o(a) amigo(a) não tenha entendido. Mas de qualquer forma, obrigado por prestigiar o nosso modesto almanaque. Continue lendo, pois é assim que se aprende a compreender as coisas...
ResponderExcluirHoje, no mês de agosto de 2022, já são mais de 3 milhões e trezentos mil leituras de textos sobre os mais variados assuntos...
ExcluirAmo textos literários. Entende-lo é questão de interpretação,quanto mais você lê , mais critico você fica. Parabéns pelos textos!
ResponderExcluirO Bom, Mas Não Muito eu li em uma cartilha de escola, cartilha essa dos meus primos mais velhos. Acho que foi em 86, ou 87...
ResponderExcluirAmo este texto ! Ele tem uma sequência maior de acontecimentos. Podem ser intermináveis como os acontecimentos da vida. A vida é assim! Ora boa, ora nem tanto...
ExcluirBoa observação, amigo Cláudio. A vida é bem assim...
ExcluirBom,mas não muito.. rs muito bom. 5@ série. Que saudades dessa época...
ResponderExcluirTextos muito interessantes!A leitura faz bem a alma!
ResponderExcluirHá anos que procurava pelo texto "bom mas não muito". Adorava ler nas aulas da sétima série!
ResponderExcluirboas lembranças! nota 1000 pro site!
ótimo ano de 2021 a todos nós!
Obrigado pelo elogio, continue nos prestigiando!
Excluirhá anos eu procurava por esses textos que Deus abençoe vcs,minha infancia veio à tona,lembrando de quando lia essas historias e os volumes de coleçao vagalume,nao tinha tv noquarto,mas,lia muito e era melhoe do hj ,que tenho tv no quarto rsrsrs.
ResponderExcluirAlguem sabe me dizer o nome do livro,onde encontram se os textos,por favor,procuro há anos por ele;se puder,entre em contato pelo email lucasyas09@gmail.com. Desde ja agradeço muito!!!
Amigo Lucas, especificamente, qual dos textos te referes? Eu faço uma coletânea de textos de vários almanaques antigos, depois os coloco aqui, que irás, aos poucos, descobrindo, neste Almanaque Cultural Brasileiro, muitos outros textos da tua infância. (Nilo da Silva Moraes)
ResponderExcluirMuito bom esse texto
ResponderExcluirObrigado, amigo anônimo!
ExcluirMuito interessante. Totalmente perceptível . Fazem sentido sim e são divertidos também. Obrigada. Continuem.
ResponderExcluirTenho pequenos textos, posso mandar alguns? Boa noite.
ResponderExcluirSe forem interessantes, pode mandar sim.
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