sábado, 6 de agosto de 2016

Trovas em ABC de Mário Quintana

Mário Quintana



Até cantando se nota
Como é a vida inconstante:
As rimas são duas mãos
Unidas um só instante...

Brotando por entre as fráguas
E abrindo, frágil, incerto,
O verso é sempre um milagre:
Pura rosa do deserto!

Caminho da fonte pura
Há quanto o perdi, há quanto!
Só nos ouvidos perdura
A delícia do seu canto...

Diz a chuva na vidraça:
Tudo passa ... é sempre assim...
Só a passagem das coisas
Parece que não tem fim...

E na vida há tanta coisa...
Tanta coisa e um só olhar!
Toda a tristeza dos rios
É não poderem parar...

Fez Deus o mundo em seis dias,
Foi repousar desde então.
Mas os Poetas retomaram
A obra da Criação...

Gosto de fruta silvestre:
Ó agridoce ressábio!
Agora já nem sei mais
Se não seria o teu lábio...

Há três coisas neste mundo
Cujo gosto não sacia...
É o gosto do pão, da água
E o do nome de Maria!

Irmão vento resmungão
E a Água, irmã dolorida,
Sempre a fugir, lá se vão...
Lá se vai a minha vida!

Já não posso morrer jovem...
É o meu destino infeliz
Como é que vou excusar-me
De tudo quanto não fiz?

Lembranças que naufragaram
È que voltam, num segundo...
São como navios fantasmas
Surgindo do mar profundo!

Meu chapéu de catavento
E meu alforje de imagens.
Só isso levo da vida...
Não tenho outras bagagens.


Nunca deves dizer SEMPRE!
Nem nunca dizer JAMAIS...
Por que palavras tão grandes
Em simples lábios mortais?

Olha! O melhor é sorrires...
- Mas já se viu que lembrança!
Dá-me primeiro a bonança
Que eu te darei o arco-íris...

Por um Dia de Finados,
Isto eu sei que aconteceu,
Disse, chorando, um velhinho:
O único morto sou eu!

Quem as suas mágoas canta,
Quando acaso as canta bem,
Não canta só suas mágoas:
Canta a de todos também...

Rezas  da infância, tão puras...
Depois a gente as esquece.
Mas o bom Deus, lá do Céu,
Inda escuta a nossa prece...

Seja a elegia mais triste
Ou a mais alegre canção,
Os versos são sempre escritos
Nos muros de uma prisão..

Tu te queixas das mulheres...
Que culpa têm, as coitadas?
Não nasceram para amar,
Mas para serem amadas...

Um dia o vento cansou,
Que o vento cansa também.
E foi fazer o seu ninho
Na cabeça do meu bem.

Venho do fundo das eras
Quando o mundo mal nascia;
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia...

Xeques que a Vida me dá...
Lances terríveis e belos...
Perdi as pedras mais raras...
Só não perdi meus castelos!

Zangas do vento... risadas
Das águas... Ruflos... Bisbilhos...
A mata é uma família
Ruidosa de tantos filhos...

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