Armando Nogueira
(1927 - 2010)
Sua vocação de jogador de
futebol é incomparável e se exprime no campo com a mesma espontaneidade da bola
que rola; é tão perfeito no criar como no fazer o gol, no drible, no passe, no
chute, na cabeçada. Seja em que circunstância for, Pelé mantém com a bola uma
relação de coexistência absolutamente íntima, terna, cordial; por isso é bom
goleiro e ótimo goleador; por isso é capaz de estar, ao mesmo tempo, na
concepção e na realização de uma jogada. Seu talento é do tipo esférico como a
bola, o seu brinquedo mágico.
A técnica individual de
Pelé não merece um só reparo do mais exigente crítico de futebol; ele domina a
bola com naturalidade e perfeição, usando qualquer parte do corpo, notadamente
os pés e o peito; tem chute potente e certeiro com as duas pernas; dribla com
facilidade e grande arte, valendo-se de incrível poder de articulação nos
tornozelos, joelhos, cintura e, sobretudo, graças a uma força instintiva,
medular, que lhe permite sair criando movimentos novos, irresistíveis, à base
de contrapés, falsas hesitações, meneios e desequilíbrios aparentes. Usa as
faces exteriores e interiores dos pés tanto para o drible e o chute como para
fazer passes de efeito; tem espantosa velocidade de partida e de corrida e se
eleva para cabeçadas com uma elasticidade impressionante e com uma noção de
tempo que só se vê nos grandes especialistas dessa jogada; tem agilidade felina
para recobrar o equilíbrio perdido.
E aqui vale recordar o lance do jogo Brasil 5 X Argentina 1, (1960), no Maracanã. Pelé recebe a bola na corrida, entra na defesa driblando uma fila de adversários; o último, pressentindo o perigo, aplica uma rasteira que alcança Pelé em pleno ar. Pelé se desequilibra, vai cair de costas, a bola foge ao seu domínio, o juiz apita a falta. Mas eis que no instante do apito, Pelé consegue recobrar o equilíbrio, alcança novamente a bola e restabelece a excelente condição de gol que conseguira. A essa altura, porém, já o árbitro havia interrompido o jogo e todo o maravilhosos esforço de recuperação de Pelé resultava inútil. Restou-lhe o consolo de ver o árbitro Juan Armental correr na sua direção e pedir-lhe desculpa humildemente, por ter apitado. Mais tarde, o juiz explicava à imprensa que aquele fora o maior exemplo de agilidade pessoal jamais visto em um campo de futebol nos seus vinte anos de arbitragem.
E aqui vale recordar o lance do jogo Brasil 5 X Argentina 1, (1960), no Maracanã. Pelé recebe a bola na corrida, entra na defesa driblando uma fila de adversários; o último, pressentindo o perigo, aplica uma rasteira que alcança Pelé em pleno ar. Pelé se desequilibra, vai cair de costas, a bola foge ao seu domínio, o juiz apita a falta. Mas eis que no instante do apito, Pelé consegue recobrar o equilíbrio, alcança novamente a bola e restabelece a excelente condição de gol que conseguira. A essa altura, porém, já o árbitro havia interrompido o jogo e todo o maravilhosos esforço de recuperação de Pelé resultava inútil. Restou-lhe o consolo de ver o árbitro Juan Armental correr na sua direção e pedir-lhe desculpa humildemente, por ter apitado. Mais tarde, o juiz explicava à imprensa que aquele fora o maior exemplo de agilidade pessoal jamais visto em um campo de futebol nos seus vinte anos de arbitragem.
Por fim, Pelé tem uma
capacidade quase irreal de infiltrar-se com a bola defesa a dentro. Vai como um
raio, dando a impressão ao espectador de que está atravessando os corpos dos
adversários. Temos ouvido tanta gente querendo descrever as infiltrações de
Pelé mais ou menos assim: “Ele ia passando por dentro dos outros.” Realmente, o
lance é muito rápido e sugere a imagem. O que ocorre, simplesmente, é que ele
realiza a ação em alta velocidade e com notável noção do próprio corpo, que lhe
assegura o mínimo de tropeços, o máximo de equilíbrio e grande fluência na
corrida.
Em apenas três anos de
prática ininterrupta, Pelé melhorou sensivelmente o seu futebol. Não tanto do
ponto de vista da técnica individual, que isso ele é perfeito de nascença, mas
do plano da ação coletiva. Antes, Pelé era um atacante, um especialista dos
chutes e cabeçadas à porta do gol; hoje, ele multiplica sua presença
conseguindo ser, com igual eficiência, construtor e finalizador: num momento,
Pelé é arco que aciona e em seguida vai ser e flecha que alveja.
Do ponto de vista moral, ele já se destaca como grande animador de equipes, impondo aos colegas e aos adversários a autoridade indiscutível que vem da alta categoria técnica. Uma única face de sua personalidade não tem evoluído no sentido da perfeição: a serenidade. Ele perdeu muito daquela ingenuidade com que jogava no começo da carreira; ficou irritadiço, impaciente. Mas, coitado, tanto sofreu nos pés dos medíocres, tanto lhe deram pontapés que ele deixou de ser aquela força da natureza exprimindo-se puramente, sem amargor. Antes, davam-lhe um trompaço brutal, ele se levantava, limpava os calções e ia tomar posição de jogo; agora, se o derrubam com deslealdade, ele reclama furiosamente.
Texto de mestre Armando Nogueira, na histórica revista Senhor, nº 21, em novembro de1960,
quarto ano de Pelé como profissional.
Do ponto de vista moral, ele já se destaca como grande animador de equipes, impondo aos colegas e aos adversários a autoridade indiscutível que vem da alta categoria técnica. Uma única face de sua personalidade não tem evoluído no sentido da perfeição: a serenidade. Ele perdeu muito daquela ingenuidade com que jogava no começo da carreira; ficou irritadiço, impaciente. Mas, coitado, tanto sofreu nos pés dos medíocres, tanto lhe deram pontapés que ele deixou de ser aquela força da natureza exprimindo-se puramente, sem amargor. Antes, davam-lhe um trompaço brutal, ele se levantava, limpava os calções e ia tomar posição de jogo; agora, se o derrubam com deslealdade, ele reclama furiosamente.
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Texto de mestre Armando Nogueira, na histórica revista Senhor, nº 21, em novembro de
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