Semana Farroupilha
Da Ronda Crioula de 1947 nasceu a Semana farroupilha
Liderados por Paixão
Côrtes, os estudantes comemoram o 20 de setembro
com treze dias de
festas no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre.
Texto de Antônio Augusto
Fagundes
Paixão Côrtes
A primeira Semana Farroupilha não foi
nem semana, nem farroupilha. Durou treze dias e se chamou “Ronda Crioula” –
como, aliás, ainda se chamaram muitas semanas de 14 a 20 de setembro que viriam
a seguir. Foi só na década de 60 que os gaúchos se acostumaram a chamar a Ronda
Crioula de “Semana Farroupilha”.
Mas como aconteceu a primeira semana
farroupilha? É importante saber, porque afinal sua história se confunde com a
própria história do tradicionalismo gaúcho.
Sem se conhecerem, três rapazes, em Porto Alegre , em
1947, estavam trabalhando para o mesmo fim. É, os três estavam santamente
revoltados com a progressiva americanização dos brasileiros. Depois da 2ª
Guerra Mundial os americanos tinham entrado aqui como quem entra em estância de
viúva nova – de chapéu tapeado, no mais! Fomos bombardeados com chicle,
Coca-Cola, plástico, discos, “Seleções”, revistas em quadrinhos, uísque, cinema
made in Hollywood e o diabo a quatro. Falar em gaúchos era grossura. A
ditadura de Vargas tinha rasgado a nossa bandeira; e, do nosso hino, nem falar.
Os rapazes eram Barbosa Lessa, jovem
gênio de 16 anos, que andava com um caderninho colhendo assinaturas de apoio
para a criação de um clube tradicionalista. Glauco Saraiva, mais velho, casado
(ainda na casa dos 20), escoteiro e mestre-maçom, que agauchara uma tropa de
escoteiros trocando-lhe o nome de Patrulha para “Estância” do Quero-Quero e já
autor de alguns poemas famosos, como Chimarrão.
O terceiro? Ah, esse vai ser o detonador do movimento. Seu nome era João Carlos
D´Ávila Paixão Côrtes, estudante, como Lessa (mas não se conheciam) do Colégio
Estadual Júlio de Castilhos.
Não vê que na frente do colégio, ali
na Avenida João Pessoa, na cara da estátua do general bento Gonçalves, havia um
barzinho de quinta categoria. Ali o paixão foi um dia tomar um café e viu um
pano colorido, velho, sujo e rasgado, fazendo as vezes de cortina. Desconfiado,
estendeu as dobras da “cortina” E viu que se tratava da sagrada bandeira do Rio
Grande do Sul. Dizem que foi essa a única vez que o Paixão chorou na vida.
Falava-se que o governo ia trazer de
Livramento os restos mortais do general Davi Canabarro e o Paixão se dirigiu à
Liga de Defesa Nacional oferecendo-se para formar uma escolta de cavalarianos
gaúchos. A direção da LDN gostou e deu viatura militar para o Paixão conseguir
cavalos e arreios. E assim montou com mais sete companheiros, hoje todos nomes
aureolados na história tradicionalista (um deles, João machado Vieira, o
querido “Galo Velho”, morreu recentemente*; era primo do Paixão. Fizeram um
alto na Praça da Alfândega, naquele 5 de setembro de 1947. Ali apareceram para
o paixão o Lessa, com seu caderno, e o Glaucus Saraiva, que o Paixão conhecia
de nome porque declamava dele o (poema) Chimarrão.
Bueno, o que sei é que na madrugada
de 7 para 8 de setembro o Paixão montou de novo, com Cyro Dutra Ferreira, entre
outros, e foi recolher uma “muda” do Fogo Simbólico da Pátria, na hora de sua
extinção, para acender o candeeiro crioulo, que eles haviam inventado, no
Colégio Júlio de Castilhos, para arder até o dia 20 de setembro. Traziam tochas
improvisadas, incendiaram os trapos, quase se queimaram, o cavalo do Paixão
meio atropelou a esposa de um general, mas tudo bem: a galope (era ali,
pertinho) foram implantar o primeiro candeeiro crioulo da história. (Só não
digo onde eles foram depois comemorar a gauchada...)
Assim começou essa que eles chamaram
Ronda Crioula. Houve baile (irradiado por um jovem locutor bem penteado
chamado... Mendes Ribeiro), concurso de prenda (que ganhou uma senhora casada,
muito bonita, chamada Leda – esposa de Glaucus Saraiva) e concurso de gaúcho
melhor vestido ao estilo antigo (ganhou o próprio Paixão Côrtes, usando
chiripá) e ao estilo atual (ganhou José Laerte Vieira Simch, bela estampa de
gaúcho, usando bombachas). Vieira Simch, o “Cincha”, como era chamado
carinhosamente pelos companheiros, foi da primeira hora. Nos porões de sua casa
nascera a 24 de abril de 1948 o 35 CTG, dando início formalmente ao
tradicionalismo gaúcho. Ele, porém, morreria tragicamente pouco depois afogado
no rio Jacuí.
Estavam presentes a esse baile,
realizado no Teresópolis Tênis Clube, intelectuais especialmente convidados
pela rapaziada: Manoelito de Ornellas, Valdomiro Souza e Amandino Bicca. E
durante todos esses dias a indiada comeu arroz-de-carreteiro e churrasco, tomou
mate e canha da buena, e se cantou e declamou a la farta. Tudo isso – menos o
baile – lá nos pátios do “Julinho”, que não era o colégio de hoje, embora,
quase no mesmo lugar e destruído por um incêndio, mais tarde.
Assim foi a primeira Semana
Farroupilha – mais antiga, como se vê, que o próprio tradicionalismo, nascido
dela, a bem dizer.
*Essa crônica é de 1993.
Zero Hora, de
18-09-1993
Texto reeditado no Almanaque dos Gaúchos de 1997
Texto reeditado no Almanaque dos Gaúchos de 1997
Tenho aprendido, e recordado muitas passagens desde que comecei a ler o Almanaque Cultural Brasileiro, faço isso diariamente, parabéns
ResponderExcluirObrigado, amigo, por mais este amável comentário.
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