Por quem Madureira chorou
João Carlos Lopes dos
Santos
É aqui que entra Zaquia Jorge. No
final dos anos 50, eu tinha uns 15 anos. Sempre que passava pelo bairro de
Madureira, local de comércio forte, espichava os olhos para a fachada do Teatro
de Revista Madureira, que ficava em frente à Estação que lhe emprestava o nome.
Na fachada, eram exibidas várias fotos das vedetes em trajes, então, ditos
sumários.
Teatro Zaquia Jorge
Além de bela e talentosa atriz,
Zaquia Jorge era também a dona do teatro, uma vedete do teatro rebolado, que
usava uns maiôs inteiros, um verdadeiro escândalo na época, mas que, se hoje
usássemos o mesmo pano, daria para fazer uns quatro biquínis para as senhoras
mais distintas da nossa sociedade.
No dia 22 de abril de 1957, uma
fatídica segunda-feira, tradicional dia de folga dos artistas de teatro, Zaquia
foi à praia da Barra da Tijuca, então selvagem e deserta, para um banho de mar.
Nesse dia, aos 32 anos, Zaquia Jorge, uma belíssima e talentosa morena de
sangue árabe, morreu afogada.
Mudaram o nome do teatro para
Teatro Zaquia Jorge, que tempos depois fechou as portas, de certo, sentindo a
falta da grande estrela.
Era Joel de Almeida quem cantava
«Madureira Chorou», batucando em seu chapéu de palha dura, esse samba
exaltação, esse panegírico post-mortem de Carvalhinho e Júlio Monteiro, lançado
para o carnaval de 1958, homenageando a bela Zaquia.
Madureira chorou
Samba
Carvalhinho e Julio Monteiro (Júlio Leiloeiro, marido de Zaquia)
Gravado em 1958, por Joel de Almeida.
Madureira chorou,
Madureira, chorou de dor,
Quando a voz do destino,
Obedecendo ao divino,
A sua estrela chamou.
(bis)
Madureira, chorou de dor,
Quando a voz do destino,
Obedecendo ao divino,
A sua estrela chamou.
(bis)
Gente modesta,
Gente boa do subúrbio,
Que só comete distúrbio,
Se alguém menosprezar,
Aquela gente,
Que mora na Zona Norte,
Até hoje, chora a morte,
Da estrela do lugar...
Gente boa do subúrbio,
Que só comete distúrbio,
Se alguém menosprezar,
Aquela gente,
Que mora na Zona Norte,
Até hoje, chora a morte,
Da estrela do lugar...
Edição do jornal O
Globo de 23 de abril de 1957,
assim noticiou a morte de Zaquia Jorge:
assim noticiou a morte de Zaquia Jorge:
“Rapidamente, a notícia
foi propagada, e grande número de atores da Companhia da Revista Zaquia Jorge e
de outras empresas chegou ao local. Em poucos instantes as brancas areias da
praia foram pisadas por centenas de pés, já que também foi grande o número de
curiosos que acorreu.
Quando um guarda-vidas
retirou, do perau em que caíra, o corpo da vedete, Celeste Aída, uma das que a
acompanhavam, abraçou-se ao cadáver, chorando copiosamente. Celeste Aída vira a
amiga desaparecer e tudo fizera para salvá-la, não o conseguindo porque era
muito fundo o perau. Enquanto ela se esforçava, os dois homens que integravam o
grupo e que estavam longe aproximaram-se. Na areia, muito assustadas, cinco
girls assistiam à luta de Celeste Aída, sem poder ajudá-la.
Afinal, cansada e desanimada, Celeste
Aída voltou às areias, Zaquia Jorge desaparecera e, quando foi encontrada, já
estava quase sem vida. Morreu pouco depois.
O presidente da República pretendia
comparecer pessoalmente aos funerais da atriz Zaquia Jorge, ontem falecida
tragicamente, numa homenagem à empresária que criou o teatro profissional nos
subúrbios cariocas. Todavia, tarefas imprevistas, no Palácio do Catete,
frustraram o seu propósito, pelo que o chefe do governo se fará representar no
sepultamento da artista.
Foi sepultada no Cemitério de São
Francisco Xavier, pranteada por artistas e populares, que a reverenciaram como
a pioneira do teatro suburbano carioca. Das 6h às 16h30m de ontem, mais de
4.000 pessoas afluíram ao Teatro de Madureira, em cujo palco ficou exposto o
corpo da artista. Com a platéia e os balcões apinhados, o ambiente fazia
lembrar um grande dia de récita. Contudo, a emoção do público era intensa,
guardando os presentes muito respeito.
No palco, no alto, por cima do caixão
de Zaquia Jorge, havia um grande quadro de São Jorge. A artista morrera na
véspera do dia consagrado ao santo. Ontem fazia cinco anos que inaugurara seu
teatro, com a peça “Trem de luxo”, de Válter Pinto e Freire Júnior. Sobre uma
fileira de dez cadeiras havia dezenas de coroas entre elas, do Teatro Santana
(São Paulo), do Corpo de Bombeiros, das escolas de samba Sampaio e Império
Serrano, de inúmeras entidades e figuras da arte e de outros setores. O povo
humilde do subúrbio formou filas, subindo ao palco para dar seu último adeus a
Zaquia Jorge.
Na porta, o trânsito estava impedido
na Rua Carolina Machado. Próximo ao caixão da vedete, amigas de ribalta e sua
família dali não se arredaram, derramando lágrimas sentidas. Em pé, de bruços
sobre o rosto frio da mãe, seu filhinho - Humberto, de 12 anos -,
naturalmente inconsolável".
Zaquia Jorge
é hoje nome de rua, na Ilha do Governador.
P.S.:
No filme “O Baile”, de Etore Scola, ela é cantada, com muita alegria, com o
nome francês de “Si tu vas a Rio”.
Outra música que homenageia a vedete
Estrela de Madureira
Compositor: Acyr
Pimentel & Cardoso
Intérprete: Roberto
Ribeiro*
Brilhando,
Num imenso cenário,
Num turbilhão de luz, de luz.
Surge a imagem daquela,
Que o meu samba traduz.
Ah... Estrela vai brilhando,
Mil paetês salpicando
O chão de poesia.
A vedete principal
Do subúrbio da central foi a pioneira.
E... Um trem de luxo parte
Para exaltar a sua arte,
Que encantou Madureira.
Mesmo com o palco apagado,
Apoteose ao infinito,
Continua a estrela
Num imenso cenário,
Num turbilhão de luz, de luz.
Surge a imagem daquela,
Que o meu samba traduz.
Ah... Estrela vai brilhando,
Mil paetês salpicando
O chão de poesia.
A vedete principal
Do subúrbio da central foi a pioneira.
E... Um trem de luxo parte
Para exaltar a sua arte,
Que encantou Madureira.
Mesmo com o palco apagado,
Apoteose ao infinito,
Continua a estrela
Brilhando no céu.
* Há, na internet, uma gravação com Roberto Ribeiro dessa música
Excelente texto.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, meu irmão!
ExcluirEmocionante show de bola
ResponderExcluir