terça-feira, 11 de outubro de 2016

“Até aí morreu o Neves”



Gostaria de perguntar-lhes sobre a origem de duas expressões usadas no Brasil (e talvez também em Portugal):

1. «Até aí morreu Neves...» → significando «Isso já é sabido e não acrescenta nada de importante».

2. «Foi a alma do Cunha» → empregada quando se ouve em casa algum ruído de origem desconhecida e não passível de fácil determinação.

O máximo que já consegui, depois de muita pesquisa, foi saber que, segundo João Ribeiro, citado por Antenor Nascentes, em seu “Tesouro da Fraseologia Brasileira” (terceira edição revista por Olavo Aníbal Nascentes. [Rio de Janeiro]: Editora Nova Fronteira, [1986], s. v. Neves), a frase «Até aí morreu Neves» poderia ter origem em algum entremez, vaudeville ou comédia. E nada mais diz sobre a data, local e origem da pretensa peça...

Continuo, portanto, curioso sobre quem teriam sido os tais Neves e Cunha (personagens reais ou imaginárias?, portugueses ou brasileiros?...).

Agradeceria muito se algum dos senhores pudesse lançar maiores luzes sobre a distinta dupla.

Transcrevo dois extratos tirados, respectivamente, de um blogue jornalístico e de uma tese de doutorado em literatura. Os dois confirmam a origem da primeira expressão, bem como a informação que já me era familiar.

«Qualquer um com mais de 40 anos, mesmo não sendo fã do Nelson Rodrigues, já deve ter ouvido a expressão: “até aí, morreu o Neves”. A ideia é que, embora a morte do Neves seja um fato grave (alguém morreu), como ele representa apenas um ilustre desconhecido sem qualquer relação com os interlocutores, o fato não traz qualquer implicação maior e pode ser ignorado. Ainda que a expressão em si já esteja em desuso, a atitude não poderia estar mais em voga.»

«Nelson não apenas se apropria de palavras e expressões corriqueiras, mas as incorpora tão insistentemente a seus diálogos, que elas passam a ser identificadas com o autor. Citem-se algumas palavras e expressões prediletas de seu repertório: “batata”, “espeto”, “meus para-choques”, “os colarinhos”, “chispa”, “sossega o periquito” (com variações com “sossega, leoa”), “nossa amizade”, “toca o bonde” (com a variante: “tomou o bonde errado”), “até aí morreu o Neves”, “lamba os dedos”, “desinfeta”, “algum 127 bode?”. Há ainda os estrangerismos: “big”, “cáspite”, “flirt”, “bye”, “so long”, “darling”, “merci”, “mon cherri”. O autor também cria expressões e designações neológicas: “arrancos de cachorro atropelado”, “um elenco de Cecil B. DeMille”, “lagartixa profissional”, “óbvio ululante”, “barítono de igreja”, “V-8”, “Drácula de Madureira”, “Crioula das Narinas Triunfais”, “ex-contínuo”.

À exceção dos dados que estão especificamente relacionados à trama de um drama específico, essas expressões neológicas seriam repetidas e empregadas pelo autor em seus contos e crônicas.

Algumas nasceram mesmo nas crônicas e contos e migraram posteriormente para as peças. Outras fizeram o caminho inverso. O emprego repetido de algumas dessas expressões cria um grau de previsibilidade e de redundância nos textos do escritor, o que é um fator que estabelece empatia com o leitor/ouvinte.

Certamente esse foi um dos elementos que fizeram haver uma identificação do público com os dramas desse período do autor. Pode-se dizer que um dos fatores que levaram as tragédias cariocas de Nelson Rodrigues a gozarem de enorme popularidade, o que contrastou com outros de seus trabalhos dramatúrgicos anteriores, foi o impacto e o gosto que o público nutria por sua linguagem popularesca. »

In: Nelson Rodrigues: Inventário Ilustrado e Recepção Crítica Comentada dos Escritos do Anjo Pornográfico, por Marcos Francisco Pedrosa Sá Freire de Souza, Tese de Doutorado, 2006, UFRJ, Rio de Janeiro.

Numa mensagem de e-mail, um colega da PUC-Rio (Roberto Werneck, natural de Curitiba) explica: «Esta do Neves ouvi várias vezes e sempre achei que tivesse origem no Nelson Rodrigues, sobre a morte de algum desconhecido.»

Quanto à segunda expressão, francamente é desconhecida, não só de mim, mas de todos os professores da área que consultei. Talvez seja de uso restrito de um grupo ou mesmo de uma família. A língua tem dessas coisas, há expressões que alguém inventa e depois todos os elementos de uma família ou grupo de amigos reproduzem-na como se de uso generalizado fosse.

(Do Bloge Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)

“Até aí, morreu o neves!”

Por Allan Bonfanti, 1° ano de Filosofia – extraído do jornal estudantil Chez nous

Recentemente, em uma das aulas da faculdade aconteceu algo curioso: durante uma conversa surgiu a famosa expressão: “Até aí morreu o Neves”! E qual não foi o espanto, quando um aluno (vietnamita), levou certo susto, e comentou com outro: “Nossa! Morreu o Neves! Quem será ele?”

Surpresa para uns, e gargalhadas para outros. Mas de fato, esta é uma expressão usada popularmente, cuja origem, caracteristicamente brasileira, é pouco conhecida:

Joaquim Pereira Neves foi assessor do Padre Feijó, durante o período do Brasil Império. Teve uma morte horrível, sendo decapitado pelos índios. Não se falava sobre mais nada na Capital – Rio de Janeiro, na época – a não ser da morte do Neves. E tanto se comentava isso, que as pessoas começaram a dizer: “Até aí morreu o Neves”, ou seja: “quero novidades”. A expressão significa que embora a morte do Neves seja um fato grave (alguém morreu), como ele representa apenas um ilustre desconhecido sem qualquer relação com os interlocutores, o fato não traz maior implicação, e pode ser ignorado.

Enriqueçamos cada vez mais nosso vocabulário. E que o desconhecimento de ilustres personagens, tais como o Conselheiro Acácio ou o Neves, não sejam obstáculo para bem acompanharmos as aulas…

(Do Blogue Thabor)


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