Escrito por Bruno
Hoffmann
18 de julho - dia dos veteranos de guerra
Um personagem inusitado marcou
presença na música brasileira em 1943: Laurindo, protagonista da canção
homônima de Herivelto Martins composta para aquele carnaval. A música era uma
continuação de Praça Onze, que versava sobre a destruição da praça onde
aconteciam os desfiles de escolas de samba cariocas. No novo samba, o sujeito
subia o morro comemorando: Não acabou, a
Praça Onze não acabou / Vamos esquentar nossos tamborins. O nome Laurindo
também tinha sido usado num samba de Noel Rosa na década anterior, mas seria a
partir de Herivelto que começaria a inspirar outros compositores.
Mas afinal, quem é Laurindo? Ninguém.
O cidadão nunca existiu, mas caiu – não se sabe bem por quê – nas graças dos
sambistas da época. Principalmente nas de Wilson Batista, que o transformou num
diretor de bateria da Mangueira que abandonou as atividades carnavalescas para
lutar na Segunda Guerra Mundial. É o que narra Lá Vem Mangueira: Lá vem Mangueira / Sem Laurindo na frente da bateria / Perguntei: Conceição, o que
aconteceu? / Laurindo foi pro front,
este ano não desceu. Só que Wilson tratou de dar um final feliz para o
soldado. Em Cabo
Laurindo , parceria com Haroldo Lobo, o pracinha voltava
intacto do campo de batalha, “coberto
de glória, trazendo garboso no peito a
cruz da vitória”.
A história não para por aí. Haveria
ainda uma terceira canção, Comício em Mangueira, dessa vez uma parceria com
Germano Caetano. A letra e a melodia são emocionantes. A música conta sobre um
discurso do soldado logo após a volta triunfante: Houve um comício em Mangueira
/ O cabo Laurindo falou / Toda escola de samba aplaudiu / Toda escola de samba
de samba chorou / “Eu não sou herói” / Era comovente a sua voz / “Heróis são
aqueles que tombaram por nós”.
Não faltou quem acreditasse que
Laurindo existisse de fato. Menos o compositor Zé da Zilda, que tratou de
desmascarar o impostor. Ao som de tamborins, afirmou que o sujeito é tratado
como herói, porém “nem saiu de Niterói”. E que sua única participação na guerra
foi ficar “na retaguarda aplaudindo a nossa gente”.
Depois de tantas músicas, nem Wilson
Batista suportava mais ouvir sobre Laurindo. Chegou a planejar assassiná-lo num
crime passional. O cabo seria encontrado morto numa viela do morro da
Mangueira. Mas a canção nunca saiu. Não havia mais como tirar o herói que nunca
existiu da música popular brasileira.
Lá vem Mangueira
(Haroldo Lobo – Jorge
de Castro – Wilson Batista)
Lá vem Mangueira!
Outra vez descendo o morro
Com harmonia
Lá vem Mangueira!
Sem Laurindo na frente
Da bateria
Perguntei:
Conceição, que aconteceu?
Laurindo foi pro front
Esse ano não desceu
Mandei perguntar
Sem ele aqui
A escola de samba podia sair?
Ele respondeu:
Podem ensaiar
Porque o povo precisa sambar
Comício em Mangueira
(Germano Augusto e
Wilson Batista)
Houve um comício em Mangueira
e o cabo Laurindo falou,
toda escola de samba aplaudiu, é,
toda escola de samba chorou.
Eu não sou herói,
era comovente a sua voz,
heróis são aqueles
heróis são aqueles que tombaram
que tombaram por nós. (Bis)
Houve missa campal
bandeira a meio pau,
toda escola de samba rezou.
Laurindo então lembrou os nomes
dos sambistas que tombaram:
Mangueira tomou parte na vitória
Mangueira, mais uma vez na
história. (Bis)
Cabo Laurindo
(Haroldo Lobo /
Wilson Batista)
Laurindo voltou
Coberto de glória,
Trazendo garboso no peito
A Cruz da Vitória.
Oi! Salgueiro, Mangueira,
Estácio, Matriz estão agindo
Para homenagear
O bravo cabo Laurindo!
As duas divisas que ele ganhou,
mereceu.
Conheço os princípios
Que Laurindo sempre defendeu.
Amigo da verdade,
Defensor da igualdade.
Dizem que lá no morro
Vai haver transformação.
Camarada Laurindo,
Estamos à sua disposição!
Entrevista com Cristina Buarque*
E sobre o Cabo Laurindo?
Cristina:
‒ Comecei a catar essa história por curiosidade de saber quem foi o Cabo
Laurindo. Li, acho que em um livro sobre o Wilson Batista, que esse personagem
que aparece em muitas músicas não existiu na verdade. Eu estava cantando um
samba desses e o Xangô da Mangueira perguntou “Quem é esse Laurindo? Nunca conheci
esse cara! Isso é invenção!” A primeira música em que se falou de um cara
chamado Laurindo foi em “Triste cuíca”, que é um samba de trinta e poucos, do
Noel. E o Wilson Batista, em quarenta e não sei quantos, falava que o Laurindo
havia ido para a Guerra. E aí fiquei procurando... Haviam dito que existia um
samba em que o Wilson queria matar o Laurindo porque ele não aguentava mais a
história dessa figura. Iria matá-lo num crime passional na Mangueira. Ele ia
cair na ribanceira, não-sei-o-quê. Fiquei procurando em toda a discografia do
Wilson Batista, pelos nomes, pelas datas, tentando descobrir isso, mas não
achei. Então gravei nesse disco do Wilson Batista uma sequência do Laurindo,
que vai e volta da guerra.
Sampaio:
‒ Com “O comício em Mangueira!”
Cristina: - É! E quem fez muita música falando em Laurindo foi o
Herivelto Martins. Até no livro sobre o Wilson Batista, o autor diz que ele se
gabava por ser o compositor que mais falava do Laurindo, mas acho que já
encontrei mais músicas do Herivelto. [risos] Uma amiga minha do Rio, a Teresa
Cristina, está fazendo uma pesquisa sobre Zé da Zilda. Ela achou um samba que
eu tinha lido nesse livro, um samba que o Zé da Zilda fez para gozar o Wilson
Batista. Diz que o Laurindo havia ido para a guerra, mas ficou lá atrás.
[risos] Como é que é? [canta] “Conversa
Laurindo / peço que não leve a mal / você não foi onde estava o rival / anda dizendo
que lutou como herói / e no entanto nem saiu de Niterói / Aproveitou a nossa
vitória / E assim conseguiu o seu nome na História / Agora vejo você falando
que viu a cobra fumando / Lá na linha de frente / Nem eu nem você fizemos nada
/ Ficamos na retaguarda / Aplaudindo nossa gente.” [risos] É muito bom,
né?! E agora o Hermínio me deu uma gravação da Isaura Garcia - ele está catando
umas coisas da Isaurinha Garcia - em que aparece esse samba do Wilson Batista,
de querer matar o Laurindo, só que não está no nome do Wilson Batista e é
anterior ao “Cabo Laurindo”. Encontram o Laurindo morto. É um samba bonito pra
caramba! Ele apareceu morto na ribanceira ou no morro da Mangueira. Então deve
ser esse samba. Agora, não sei se é do Wilson Batista. Está em nome de outra
pessoa, mas não me lembro agora.
Zeca:
‒ Ou roubaram a autoria ou a ideia?
Cristina:
‒ É, ou - como o Wilson Batista era malandro pra caramba,
de repente já existia o samba e ele... Mas existe esse samba que fiquei
procurando para botar no CD. Inclusive não obedece a uma seqüência cronológica,
já que ele foi gravado antes do "Comício em Mangueira", que é da
época da guerra. Esse é de 41, acho. Quer dizer, mataram o Laurindo, e depois
de morto, ele foi para a guerra!
Tacioli:
- Dá para fazer uma biografia do Laurindo.
Cristina:
‒ É, virou uma brincadeira, um fez um samba sobre
o Laurindo, [canta] "Laurindo desce o morro gritando / Não
acabou...", isso é Herivelto. Aí outro fez mais um samba, e assim começou
esse negócio sobre o Laurindo, que é um cara que nunca existiu! [risos]
Zeca:
‒ Laurindo não é um nome comum, não é um João.
Cristina:
‒ É! E esse “Comício em Mangueira” é um negócio
emocionante, a volta dele, o discurso, as pessoas chorando. E é tudo mentira!
[risos]
* Maria Christina Buarque de
Holanda (São Paulo,
23
de dezembro de 1950), mais conhecida como Cristina Buarque, é uma
cantora e compositora brasileira. É filha do sociólogo
Sérgio
Buarque de Holanda e irmã de Chico Buarque, Miúcha e Ana de Holanda.
sensacional. Obrigado pelo post.
ResponderExcluir