(Flávio José Cardozo)
O homem vai indo ligeiro para a
reunião decisiva. Se tudo der certo, sai candidato à Assembleia Legislativa.
Para tanto, basta que o Peixoto se entenda com o Afonso e o Afonso não se
desentenda com o Paulico e o Paulico concorde com o Beneval e o Beneval não
discorde do Gracindo e o Gracindo não negue aquilo que o Albano pede e o Albano
aceite aquilo que o Olegário impõe. Fácil, fácil, mais fácil que isto só roubar
de cego ou de mulher velha. É sentar à mesa e acertar os ponteiros, vai
pensando o homem. Mas o pensamento é bruscamente cortado por uma repórter de
TV, que faz uma gravíssima pesquisa de opinião pública.
‒ O que é que o cavalheiro está
achando do outono?
Espera aí. O sujeito está indo aflito
pela rua, a caminho de um encontro partidário do qual pode sair praticamente
deputado e vem a mocinha indagar o que ele acha do outono! Terá por acaso
ouvido isso mesmo?
‒ Sim, sim, o cavalheiro tem alguma
opinião sobre o outono?
Espera aí de novo. Deboche não. O
sujeito vai correndo para uma sessão da maior seriedade, capaz de lhe abrir
notáveis horizontes, é barrado por uma meninota que nem sabe pedir licença e
ela tem ainda a coragem de perguntar se ele pode dar alguma opinião sobre o
outono, como se fosse possível um homem chegar aos quarenta e tantos outonos e
não ter nada a dizer sobre o outono! A vontade é responder umas bobagens
daquelas que a gente só diz quando está queimando nos tamancos, mas é claro que
não vai perder a elegância diante de uma moça. Claro que não. Ainda mais diante
da televisão. Sim, sim, ainda mais diante da televisão. Logo mais milhares de
catarinenses estarão vendo sua imagem e ouvindo sua opinião sobre o outono.
Serão milhares, centena de milhares. Pensando bem, que candidato jogaria fora
tão linda oportunidade?
‒ E então? ‒ insiste a
entrevistadora, que cismou mesmo em saber o que ele pensa sobre a árdua questão
do outono. Então o homem decide. Vai falar, vai caprichar. O assunto é pequeno,
mas vai falar. Acerta a garganta, arruma a gola da camisa, encara o olho da
câmera, responde com voz funda, doutrinal:
‒ O outono? O outono, catarinenses, é
um maravilhoso cataclismo. Um cataclismo primordial da natureza. Se eleito for,
tudo farei na Assembleia pelo nosso outono. Obrigado.
À noite, ele se vê no noticiário.
Olha para a mulher. Comovida, ela diz que é uma pena aqueles burros não
decidirem nunca se ele sai ou não candidato: tem tanta presença, fala tão
bonito.
*****
Flávio José Cardoso
(Lauro Müller-SC, 2.11.1938 - )
Flávio José Cardoso nasceu em Lauro Müller , Santa
Catarina, em 1938. Frequentou a Faculdade de Filosofia da UFRGS e de
Comunicação Social da PUC-RS. Foi chefe do Departamento Editorial da Editora
Globo (RS), diretor industrial da IOESC e diretor de artes da FCC.
Manteve por vários anos coluna de
crônica diária no jornal "Diário Catarinense" (SC). Recebeu as
seguintes premiações: Concurso Universitário de Contos (Porto Alegre,
DCE,1965); Concurso Nacional de Contos, (Florianópolis, Prefeitura
Municipal,1967); I Concurso Nacional de Contos (Curitiba, Governo do Paraná,
1968); Concurso Remington de Literatura (Rio, 1977).
A maioria de seus textos tem por
cenário a Ilha de Santa Catarina e, mais especialmente, o universo dos
pescadores e praieiros. Contador de histórias bem arquitetadas que se
desenvolvem de modo direto, objetivo, Flávio José Cardoso cria os seus
ambientes e personagens com uma linguagem, colorida, rica de humor e malícia,
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