segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Numeromania



‒ Candidato 3246! Sala 304!

E lá vou eu: um número que se dirige a outro número.

Ninguém aqui quer saber se estou satisfeito ou não, se estou doente, se tenho vontade de cantar... Sou o 3246: um número!

‒ Idade!

23.

‒ Peso!

75.

‒ Altura!

1,70m.

Gozado! Quando criança, não me lembro de ter sido um número. A não ser quando ia ao médico e ao dentista. Aí, a enfermeira chamava: ‒ “35!”. Minha mãe se levantava e eu, sem saber que era o 35, ia atrás dela e entrava no consultório.

O negócio começou mesmo quando fui pra escola. Não sei bem como era no começo. Mas, ao entrar no ginásio, passei a ser o 17 da turma 103. (Me explicaram direitinho: o algarismo da centena indicava que eu pertencia a uma turma do ano ginasial.) Depois fui o 21 da 204; o 13 da 306. Fui reprovado: o 13 me deu azar! No ano seguinte fui o 22 da 311; depois, o 8 da 402; o 12 da 1104 e assim por diante.

Me lembro de todos esses números. E não dá pra esquecer. Minha mãe, “coruja” como todas as mães, guardava lembranças da minha infância e... lá estão todas as cadernetas, que de vez em quando ela retira da gaveta de lembranças!

E como eu fazia confusão no início do ano letivo! Colocava número e turma do ano anterior! Ou fazia “salada”: número daquele ano e turma do ano anterior. Nossa!

Cresci. Fui para o serviço militar.

‒ Soldado 189!

‒ Pronto!

E aquele tempo todo eu fui o 189 da Cia. Recebi o Certificado Militar: 2 385 782, Categoria, RM.

Agora eu era maior. Tirei Título de Eleitor: n° 312 743, 16ª Zona Eleitoral, 386ª Seção. E carteira de identidade: 11 845 382 do DIG (Departamento de Identificação Geral). E carteira profissional: 2 585 322, Série 105ª.

Fui trabalhar. Recebi número de inscrição no SUS e, mais tarde, o número do PIS. Tornei-me contribuinte do Imposto de Renda: CPF: 30 452 896 345 287 (já me disseram que o algarismo 7 das unidades diz que estou cadastrado na Região Fiscal, mas não sei se isso é verdade). E tenho conta no Banco 819: conta 357 439-5.

Aprendi a dirigir; comprei carro. Carteira n° 1 283 749. Chapa do carro, n° do chassis, n° do motor. Tudo isso eu tenho anotado.

Essa montoeira de números é o que, na sala 304, perguntam ao candidato 3246, que deseja simplesmente inscrever-se para a compra de um apartamentozinho.

Só não me perguntaram ainda, por motivos óbvios, o número do atestado de óbito, da quadra e da sepultura. Mas... algum dia alguém terá que completar esse dados.

Dizem que o governo vai estudar um meio de dar um número ao cidadão, assim que ele nascer e for registrado. Esse número será dele a vida toda, até morrer. Seria bom! O que carrego de documentos no bolso não é normal!

(Texto de Autor desconhecido,
levemente adaptado)

P.S. Do livro "Comunicação - Interpretação" - volume 3 - Companhia Editora Nacional


Nenhum comentário:

Postar um comentário