Ontem
Nas noites de verão, depois do
jantar, as pessoas saíam para as calçadas, cadeiras na mão. Os velhos, ou os
donos da casa, sentavam-se junto à porta. Os outros, em volta. Primeiro ,
os mais chegados, parentes ou não. Depois, amigos, conhecidos, visitas
ocasionais, numa hierarquia da qual as crianças estavam excluídas. Quando as
pessoas chegavam, os donos da casa estavam à porta, à espera. Não que fosse
praxe. Simplesmente costume. Mas se os donos ali não estivessem, as conversas
começava na sala, junto com o café. Transferindo-se para a calçada à medida que
chegavam mais gente. O que interessava eram os casos de família, a educação dos
filhos, a política, a escola, os casamentos das viúvas, as árvores
genealógicas, quem fez e não fez, o filme com Tyrone Power, a Igreja condenando
os ciganos que tinham acampado na cidade, os pracinhas que iam voltar da
guerra. As rodas na calçada, às vezes se estendiam pela rua. Sem perigo. Em
toda a cidade existiam dois ônibus, trinta caminhões que transportavam leite,
lenhadores e sacos de café, oito carros de aluguel e cinquenta veículos
particulares. As crianças corriam, rodavam na roda, atravessavam a rua num pé
só, brincavam de pique. Os homens fumavam, as mulheres tomavam refresco, licor de
jabuticabas ou figo. O café era servido à chegada e quase no fim, quando o
apito da fábrica soava, dez e meia. As visitas começavam a se levantar. Ficavam
um pouco de pé, costurando rabos de assuntos, enquanto os pais recolhiam os
filhos e as mães buscavam os bebês que dormiam, cobrindo com mantas, por causa
de um golpe de ar. Em quinze minutos a rua se esvaziava.
Hoje
Nas noites de verão, ou todas as
noites, depois do jantar, o pai abandona a mesa. Ainda com a xícara de café na
mão, ele se dirige à caixa quadrada. A deusa dos raios azulados espera o toque.
Para emitir som e luz, imagem e movimento. Todos se ajeitam. O lugar principal
é para o pai. Ninguém conversa. Não há o que falar. O pai não traz nada da rua,
do dia-a-dia, do escritório. Os filhos não perguntam, estão proibidos de
interromper. A mulher mergulha na telenovela, no filme. Todos sabem que não
virá visita. E se vier alguma, vai chegar antes da telenovela. Conversas esparsas
durante os comerciais. A sensação é que basta estar junto. Nada mais.
Silenciosa, a família contempla a caixa azulada. Os olhos excitados, cabeças
inflamadas. Recebendo, recebendo. Enquanto o corpo suportar, estarão ali.
Depois, tocarão o botão e a deusa descansará. Então, as pessoas vão para as
camas, deitam e sonham. Com as coisas vistas. Sempre vistas através da caixa.
Nunca sentidas ou vividas. Imunizadas que estão contra a própria vida.
(Ignácio de Loyola
Brandão. Dentes ao Sol,
Editora Codecri, 1980, pág. 288)
Editora Codecri, 1980, pág. 288)
Podem me chamar de saudosista, mas que tempo bom, eu sou do interior e tive o privilégio de viver tudo isso, sim privilégio.
ResponderExcluirÉ a ladeira da memória, que saudades quando tudo era P&B no mundo !!!
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