O dia em que descobri que Luis Fernando Veríssimo é um
mentiroso
Na Copa da Espanha, em 1982, um grupo
formidável jantava quase diariamente em Sevilha, depois em Barcelona, depois em Madri. Luis Fernando
Veríssimo, Ruy Carlos Ostermann, Sérgio Cabral, o pai, João Ubaldo Ribeiro,
Nelson Motta e eu. Com defecções e acréscimos, as noitadas se repetiram em
Guadalajara, no México, quatro anos depois.
João Saldanha, por exemplo, às vezes
dava o ar de sua graça, assim como o impagável Paulo Sant’Ana, de Zero Hora.
Eram jantares intermináveis e inesquecíveis. Eu ficava rouco de tanto ouvir, de
tanto rir, de tanto aprender. Cada um era melhor contador de casos do que o
outro, e invariavelmente, ao fim dos jantares, Veríssimo saía de seu mutismo e
nos deliciava com suas histórias.
Uma bela noite em Guadalajara, Veríssimo
e eu nos encontramos no saguão do hotel, e, depois de muito esperarmos, nos
demos conta de que havíamos sido abandonados. Ninguém apareceu. Preocupado com
o mutismo do companheiro e com a longa matéria que teria de escrever ao voltar,
propus que fôssemos a um restaurante perto do hotel, jogo rápido, a pé.
Veríssimo também tinha de escrever
sua coluna dominical e topou na hora. Lá fomos nós, calados, como convinha. Fui
pensando em como começar uma conversa e, depois de pedir o jantar, perguntei,
pedindo que fosse bem honesto, se ele acreditava no chavão que nos ensinaram
desde criança, de que o trabalho é quase sempre 90% de transpiração e apenas
10% de inspiração (coisa que, no caso dele, não me parecia verdade mesmo!).
Monossilabicamente, Veríssimo
respondeu que sim, que tinha de se esforçar muito para escrever, que sofria no
ato de redigir. Jantamos praticamente em silêncio. Nos
despedimos nas portas de nossos quartos, parede a parede. Pus papel na máquina
de escrever e fiquei contemplando aquele branco angustiante – embora as laudas
nunca tenham sido propriamente brancas, mas, sim, amareladas.
Eis que, incontinenti, ouço um
disparar de teclado no quarto ao lado. Era mesmo como se fosse uma
metralhadora. Foi coisa de dez minutos ininterruptos, ao cabo dos quais pude
ouvir o barulho de uma torneira aberta e da escova de dentes batida na pia. Dei
um tempinho, bati na porta do quarto de Veríssimo, e ele a abriu, já de pijama.
Não tive dúvidas. Chamei-o de
mentiroso e prometi que ele teria muita dificuldade para dormir, porque eu
batucaria na máquina até umas quatro da matina. Ele tentou se desculpar, disse
que não tinha mentido nada, que na verdade ficava tão calado porque vivia
escrevendo mentalmente, razão pela qual, quando se sentava diante da máquina, o
texto fluía com aparente facilidade.
Eu não
acredito. E até hoje o tenho na conta de mentiroso. Genial mentiroso.
Escrevi até
as cinco.
(Extraído do livro
“Meninos, eu vi”, de Juca Kfouri, editoras DBA/Lance)
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