quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Vendedora de Bilhetes de Loteria



Aquela mulher, de olhos tristonhos,
Que vende sortes de loteria,
Fala em riqueza, promete sonhos,
Com o “prêmio grande” que tem na mão…
E assim, (contraste feito ironia!)
Numa indigência, que mal encobre,
Fala em riqueza quem é tão pobre!
Promete ouro quem não tem pão!

De rua em rua, na amarga luta,
Com o olhar sumido, que o pranto molha,
E a voz tão baixa, como uma prece…
Passa um banqueiro, que não a olha;
Passa um soldado, que não a escuta;
Passa um poeta que ela entristece.

Se a chuva cai, não lhe importa a roupa,
Que até se lava com a chuva forte.
Só os bilhetes é que ela poupa!
Nem a doença lhe dá cuidados,
Pois a pobreza não teme a morte…

A noite chega. E ela, vencida
Do ingrato ofício na luta em vão,
Retorna a casa, desiludida,
Depois de haver, por um dia inteiro,
Vendido aos outros tanta ilusão!


(Raul Pompeia. Cantos sem glória. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti, 1953)


Nenhum comentário:

Postar um comentário